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Música, pésquisa e audácia: o Tropicalismo se define pelo debate
Folha da Tarde, 7 de junho de 1968

O debate tropicalista promovido ontem na FAU, com a presença de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Décio Pignatari, Augusto de Campos e vários jornalistas, quase terminou embananado. A confusão, porém, ficou só nas opiniões sobre o movimento tropicalista, que foram ouvidas por grande número de estudantes daquela faculdade.

Foi assim o debate sobre o movimento que tem como inspiração e símbolo a banana:

Augusto de Campos: Após a Bossa Nova a música popular brasileira passou por uma evolução diversificada. A “revolução” de 64 provocou uma reformulação em parte semântica – surgiram as músicas de protesto, e o caminho de inovação aberto pela Bossa Nova foi parcialmente abandonado. Em seguida os Beatles, influindo na Jovem Guarda, romperam os limites tradicionais da música popular. Utilizaram a música erudita, o folclore e outros elementos que vieram enriquecer as composições. A música popular brasileira foi ficando aprisionada, havendo grande receio da influência estrangeira que repercutiu sobretudo no iê-iê-iê. Surgiram, porém, as primeiras incursões de Caetano e Gil – o Tropicalismo, uma verdadeira “revolução contra o medo”. As novas composições, como “Alegria, alegria” e “Domingo no parque” incorporavam ao nosso patrimônio aquilo que se passava em outros países, e as ricas contribuições de nosso passado.

Gilberto Gil: Em geral o público acha que eu e Veloso de repente mudamos o estilo apenas por “loucura”, para sermos originais. É a imagem mais comum em relação ao nosso trabalho. Entretanto, estamos realizando um sério trabalho de pesquisa como demonstrei em “Procissão”, uma música sem medo, que radicaliza.

Caetano Veloso: Nosso impulso nasceu da percepção da realidade musical brasileira. Antes de “Alegria, alegria” eu fazia música que não gostava, como “Bom Dia”. Tudo limitava nossa possibilidade de se aproximar do real. Fiquei parado um ano para depois surgir com “Alegria, alegria”, já com uma visão modificada. Fomos levados a remexer a cultura vigente consumida pelo povo brasileiro. Queremos atingir a vivência real do brasileiro através da música.

Décio Pignatari: Nossa única forma é a criação. Precisa-se de uma nova tecnologia ideológica à base de golpes de audácia em matéria de criação. Daí a importância de Caetano e Gil, capazes de fazerem uma composição falada, de acordo com os meios atuais de comunicação (TV) enquanto Chico Buarque faz composição descritiva. O nosso Tropicalismo é recuperar forças. O de Gilberto Freire é o trópico visto da Casa Grande. Nós olhamos da Senzala. Pois, como dizia Oswald de Andrade, não estamos na idade da pedra, estamos na era da pedrada. Interessa é saber comer e deglutir – que são atos críticos como fazem Veloso e Gil.

Chico de Assis: A única solução no momento é o Tropicalismo?

Décio Pignatari: Não é a única, mas tem que haver uma posição radical como faixa de referência.

Gilberto Gil: O rótulo Tropicalismo não nos interessa, como não interessou a João Gilberto a denominação de Bossa Nova. A palavra Tropicalismo é boa e não nos ofende. Mas ninguém pelo rótulo sente o gosto da cachaça.

Chico de Assis: Mas a compra da cachaça.

Gilberto Gil: E nós estamos aqui para vender. Não fomos nós que fizemos de nossa música mercadoria. Mas ela só penetra quando vendida. Quem apronta essa onda toda em torno do nome Tropicalismo é a imprensa.

Chico de Assis: Vocês querem falar dos meios sem discutir a posse desses meios. Acham que a Revolução Cultural se fará à revelia dos donos dos meios de comunicação. O Bandido da Luz Vermelha também deve ser Tropicalista. Se vocês são pagos por essa estrutura, porque falam contra ela?

Gilberto Gil: Falamos enquanto compositores e artistas. Dentro dos limites de nosso trabalho.

Chico de Assis: Vocês querem decorar as paredes para terem a impressão de que vivem em outro lugar. Interessa é derrubar as paredes. Não adianta trocar a redundância brasileira por redundância importada.

Décio Pignatari: A guerrilha foi criada com audácia. A música também se cria com audácia.

Augusto de Campos: Em tese seria possível incluir na música popular um fermento ligado à visão política. Porém, a experiência mostrou que quando isso aconteceu a nossa música caiu. O canto de protesto do Grupo Opinião, do Rio, levou a nossa música a um retrocesso. O Que tudo mais vá pro inferno tinha muito mais eficácia.

Caetano Veloso: Não nos sentimos isentos do processo. E nossa música nasce dessa tensão em que vivemos.

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