Leituras complementares

arte, antiarte ou o quê?

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Arte, Antiarte ou o quê?
Mariza Alvarez Lima
O Cruzeiro, 1967

Inovações ou reformas, sejam elas quais forem, principalmente em se tratando de arte, costumam ser combatidas. Como foram ontem – em muito maior escala, é bem verdade – e como deverão ser no futuro, em nome de uma tradição por vezes caduca, ou por uma espécie de resistência passiva peculiar dos que preferem não ver, para não ferir os olhos; não ouvir, para não ter que pensar a respeito; e não falar, para na por à prova sua incapacidade.

Para que o espectador aceite a arte de vanguarda é preciso, antes de tudo, que ele rompa com o passado. Esta ruptura não tem um caráter antagônico: visa apenas situar a ate no seu tempo. E este tempo é um tempo de guerra, de invasões espaciais, de massificação do indivíduo, do quase esmagamento do bicho-homem pelos avanços na conquista tecnológica. A arte, para não ser alienada (o termo é bem atualizado), busca novas formas de expressão e de comunicação que sejam compatíveis com as tensões e os anseios de nossa época.

Aos que se mostram perplexos ante essas manifestações inusitadas de uma arte cada vez mais insubmissa, podemos dizer que este processo de transformação nas artes plásticas já vem se realizando há quase cem anos, acentuadamente a partir do Impressionismo surgido no século da revolução industrial.

Se agora as mudanças são bruscas, sucedendo-se num ritmo louco, há de se convir que assim é porque o artista de agora, criador fecundo e liberto de preconceitos, pensa, age e realiza em completo acordo com a dinâmica de nossos dias. Esta é a sua maneira de participar.

Características e rumo

Pop-arte, arte-táctil, arte ambiental, Op-arte, Nova Figuração, neo-realismo etc., são diversos estilos de arte que têm como denominador comum o caráter eminentemente vanguardistas, Estas formas de expressão artística, muitas delas rotuladas de antiarte, porque representam a completa negação dos cânones tradicionais de pintura-quadro e escultura, têm tido sua autenticidade reconhecida nos confrontos internacionais.

Em certos setores de vanguarda sente-se cada vez menos o cuidado com o imperecível. Parece não existir no artista que se propõe a fazer este tipo de trabalho – já não diremos quadro ou escultura – a procura da imortalidade. Ele utiliza materiais e técnicas perecíveis, e o seu legado à posteridade é a sua própria vivência, que serve como veículo na criação das obras dos artistas que o sucedem. Ele busca, antes de tudo, dizer a verdade, e os que escutarem que dela tiram o melhor proveito.

Vanguarda brasileira

Nesses anos de intensa atividade criadora, Antonio Dias destacou-se como uma autêntica revelação. Ele liderou a nova geração carioca na conquista de uma posição privilegiada no panorama das artes plásticas brasileiras. Nascido na Paraíba, em 1944, Antonio Dias, com 21 anos de idade, foi Prêmio Internacional de pintura na Bienal de Paris.

Um pouco afastado dos círculos artísticos – vive atualmente no Estado do Rio – Gastão Manoel Henrique apresentou este ano um trabalho magnificamente elaborado, que ele qualifica como uma evolução no sentido da arquitetura.

Por seu lado, Roberto Magalhães, com a gravura, recebeu o Prêmio Internacional da Bienal de Paris em 1965. Além de criar extraordinários objetos que representam uma visão ampliada dos brinquedos de sua infância, ele também está, agora, se interessando pela pintura. Em seu trabalho, segundo diz, cada personagem é o seu retrato.
Da nova geração, Hélio Oiticica é a figura mais complexa e surpreendente. Sua próxima exposição individual será em Londres na Galeria Signals, uma das mais importantes da Europa. Estão programados, para esta mostra, além dos objetos, suas personalíssimas caoas “parangolés”, estandartes e as discutidas “apropriações” (coisas de uso comum das quais se apodera e declara como sua obra). Isto é impossível? Com Hélio, não. Considerando-se um anarquista, ele prega uma completa rebelião nos conceitos da arte.

Pedro Escoteguy realiza uma obra cujo sentido político-social se faz notar através de uma crítica incisiva. Com seus objetos ele realiza uma comunicação direta, imediata, como o espectador, Seu trabalho é cheio de sutilezas.

Glauco Rodrigues segue um outro caminho: faz objetos de arte e matérias plásticas, “para usar e jogar fora quando envelhecerem”. E acrescenta que tudo o que for feito como uma peça única, não industrializável, pertence ao passado, mesmo que este passado seja ontem.

Esse também é o caminho de Lygia Clark, uma das precursoras da vanguarda brasileira na fase concretista. Lygia lança a arte táctil, onde o espectador é levado a participar da obra pela manipulação. É uma interessante experiência e, provavelmente, uma das mais controvertidas.

A crítica social está presente nos instigantes trabalhos de Rubens Gerchman.Segundo suas próprias palavras, ele faz uma arte urbana, tendo como assunto o dia-a-dia. Ele crê que o ato físico de construir pintura ou escultura pouco difere do trabalho de marceneiro ou do pintor de cartazes. E acrescenta que faz uma arte de conteúdo, em que o homem seja sempre a medida.

Em São Paulo, Mona Gorowitz satiriza a mulher, sua moda e suas atitudes utilizando, de uma forma irreverente, manequins e lingeries. O trabalho feito com esses materiais, segundo diz, cria uma intimidade coletiva.

Waldermar Cordeiro – também um dos mais conceituados precursores da vanguarda – acredita numa arte interdisciplinar (pintura + escultura + arquitetura + desenho industrial + planejamento + histórias em quadrinhos etc.) que realize um nov humanismo. Segue dizendo que faz arte popconcreta ou seja “arte concreta semântica”.

Flávio Império utiliza a pintura como veículo direto de crítica político-social. Diz que sua pintura é clara, simples e até bastante delicada diante dos fatos, e que já houve quem reclamasse de agressividade de sua pintura. Mas, que qualquer notícia publicada em jornal pode ser muito mais chocante.

Sérgio Ferro também faz arte de participação e afirma que, para dizer o novo com a aspereza devida, há que se esquecer as boas maneiras e as limitações gramaticais. “Pintura também é arma”, diz Ferro, e expõe cruamente a violência gerada pela frustração, o subdesenvolvimento e demais problemas.

Efísio Ptzolu, italiano nascido em Roma e radicado em São Paulo, acha que a eletrônica revela um campo vastíssimo par as concepções artísticas, e esta é sua meta.

O grupo “Rex” é formado por Wesley Duke Lee (prêmio na Bienal de Tóqui em 65), Geraldo de Barros, Nelson Leirner, José Rezende, Frederico Nasser e Carlos Alberto Fajardo. Eles fazem um trabalho de equipe acreditando que só assim podem realizar algo de realmente produtivo. O regulamento dos “Rex”, feito com intuito declaradamente satírico, possui 18 itens, entre eles o seguinte: “Nós vemos tudo, ouvimos tudo, falamos tudo e eles não vêem nada, não ouvem nada e não dizem nada (a não ser o que todo mundo já sabe)”.

Conclusão

A Arte contemporânea procura criar, ainda que algumas vezes não consiga, um elo mais forte na comunicação espectador-artista. Visa cada vez mais uma participação ativa do espectador perante a obra. E busca fazer com que o artista abandone sua posição privilegiada na “torre de marfim” e, como Homem, viva, sinta, absorva a realidade que o cerca.