Leituras complementares

carmen miranda

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Carmen Miranda
Caetano Veloso
Extraído de Verdade Tropical, Companhia das Letras, 1997

(…) Carmen Miranda. Ela própria um emblema tropicalista, um signo sobrecarregado de afetos contraditórios que eu brandira na letra de “Tropicália”, a canção‑manifesto. (…) Cheia de frescor e impressionantemente destra, ela, sem ser sempre cuidadosa ou capaz na definição das notas, era um espanto de clareza de intenções. A dicção rápida e a comicidade alegre no trato com o ritmo faziam dela uma mestra, para além da própria significação histórica. O fato de ela ter se tornado, com o sucesso em Hollywood, uma figura caricata de que a gente crescera sentindo um pouco de vergonha, fazia da mera menção de seu nome uma bomba de que os guerrilheiros tropicalistas fatalmente lançariam mão. Mas o lançar‑se tal bomba significava igualmente a decretação da morte dessa vergonha pela aceitação desafiadora tanto da cultura de massas americana (portanto da Hollywood onde Carmen brilhara) quanto da imagem estereotipada de um Brasil sexualmente exposto, hipercolorido e frutal (que era a versão que Carmen levava ao extremo) ‑ aceitação que se dava por termos descoberto que tanto a mass culture quanto esse estereótipo eram (ou podiam ser) reveladores de verdades mais abrangentes sobre cultura e sobre Brasil do que aquelas a que estivéramos até então limitados. (…) O aspecto travesti da sua imagem sem dúvida também importava muito para o Tropicalismo, uma vez que tanto o submundo urbano noturno quanto as trocas clandestinas de sexo, por um lado, e, por outro, tanto a homossexualidade enquanto dimensão existencial quanto a bissexualidade na forma de mito do andrógino eram temas tropicalistas (não fosse este um movimento típico da segunda metade dos anos 60).