Ilumencarnados seres

Três trópicos da tropicália

a noite de “alegria, alegria”

Parti para a aventura de “Alegria, alegria” como para a conquista da liberdade. Depois do fato consumado, eu sentia a euforia de quem quebrou corajosamente amarras inaceitáveis. Gil, ao contrário, considerando que, se se dava tamanho peso ao que se passava em música popular, e se nós estávamos tomando atitudes drásticas em relação a ela, algo pesado deveria nos acontecer em conseqüência ‑ um cálculo que eu, em minha excitação, evitei ‑, entrou em pânico. Na noite de apresentação de “Domingo no parque”, ele se escondeu sob os cobertores, no quarto do hotel (nós estávamos morando provisoriamente no Hotel Danúbio, em São Paulo), tremendo com o que parecia ser uma febre repentina, e se recusou a ir para o teatro (…) Nana, que tinha cantado “Bom dia”, do próprio Gil, no mesmo festival, para os apupos da platéia, esforçava‑se para convencê‑lo a ir enfrentar o seu destino. Guilherme Araújo também intercedeu. O espetáculo já ia a meio, quando Paulinho Machado de Carvalho, diretor‑geral (e filho do dono) da TV Record, foi até o Hotel Danúbio e, finalmente, conseguiu arrancá‑lo da cama. A apresentação de Gil foi deslumbrante. Os Mutantes pareciam uma aparição vinda do futuro. A fricção entre o tema afro‑baiano e o som deles era instigante ‑ Beatles + berimbau ou Beatles x berimbau ‑, e a belíssima orquestração de Rogério Duprat dava a tudo aquilo um ar imponente e respeitável que trazia a platéia para anos‑luz de distância do momento em que, apenas um dia antes, esboçou vaiar “Alegria, alegria”. E o próprio Gil, alegre e extrovertido como sempre, não demonstrava em nada o medo de que fora possuído havia poucos minutos.

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