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Chico Buarque

Na época do tropicalismo — já falei sobre isso outras vezes — eu por acaso estava aprendendo música.
Foi quando eu conheci o Tom, quer dizer, conheci pessoalmente, comecei a trabalhar com ele, fazer letras para ele e tomar contato com a riqueza do trabalho dele. Eu comecei a estudar música e o Tom foi
me indicando o caminho. Foi comigo na Lapa comprar um piano e comprei meu primeiro piano. Comecei
a me interessar por música ali em 67, 68, exatamente quando veio o tropicalismo. Então eu não estava preocupado em romper. O tropicalismo rompia com a bossa nova inclusive. E eu não estava preocupado em romper com a bossa nova, pelo contrário, eu estava compondo com o Tom, que era o meu mestre.
E eu querendo aprender uma porção de coisa, porque eu achava que eu já tinha perdido tempo, achava que já estava marcando passo musicalmente, que eu precisava — como precisava mesmo — me aperfeiçoar como músico, melhorar, progredir como músico. Eu estava preocupado com isso.

Eu me encontrava com o Gil e com Caetano aqui no Rio, até então muito freqüentemente, e a partir de um certo momento eu deixei de ver os dois. E quando eu vi, já havia esse movimento. O Gil conta que me chamou para umas reuniões, que eu fui, que eu tomei um porre, eu não lembro direito, é possível (risos). Mas eu não estava muito preocupado. Talvez até me faltasse uma certa ambição de querer, de dar importância àquele movimento todo. A idéia de que eu estaria trinta anos depois falando disso era absurda. Porque eu estava quase brincando de fazer música e o movimento tropicalista já se atribuía um papel histórico, como de fato veio a ter. Eu estava fora, eu estava alheio, e quando eu conheci já estava a coisa criada. Eu conheci o tropicalismo já armado no palco. Eu tinha ótimas relações com eles e não deixei
de ter por isso. Agora, num certo momento, havia a necessidade, principalmente por parte da imprensa
de São Paulo, que dava um apoio muito grande ao movimento tropicalista, de criar um antagonismo. Quer dizer, era um pouco como havia necessidade de se negar Noel Rosa quando se fez a bossa nova, havia necessidade de romper com um passado e um passado do tropicalismo, e o passado por um acaso era eu. (risos) Então durante um certo tempo ainda sobrou. Eu fiquei sendo o adversário daquele movimento.
E eu não me sentia absolutamente um adversário do tropicalismo.  Eu não tinha nenhuma objeção básica ao que se fazia, eu podia gostar daquela música, não gostar daquela outra, gostar menos do que eles estavam fazendo do que o que eles faziam antes, mas eu não tinha objeção de ordem ideológica, nada disso. Só que, de certa forma, eu fui afetado pela violência com que o movimento em torno do tropicalismo me atingiu. Ao Tom também, ao Vinícius, mas como eu sou um pouco mais novo do que eles, eu fiquei
um pouco nessa posição privilegiada de adversário mais visível do movimento tropicalista. Mesmo porque
o próprio Tom já estava com a vida nos Estados Unidos, o pessoal todo da bossa nova, o Carlos Lyra estava fora, o João Gilberto estava fora do Brasil. Eles largaram um pouquinho, e entre os anos 64 e 70 isso ficou um pouco na mão da minha geração. Do lado de cá, quem não estava no tropicalismo era automaticamente classificado como inimigo; assim, Edu Lobo e eu éramos adversários do tropicalismo.
E eu nunca senti isso, nem durante, tirando o que havia de pessoal, que podia haver e havia de certo ressentimento pessoal, de mágoa. Fora isso, que hoje é irrelevante, não havia objeção minha nenhuma
ao tropicalismo e não há hoje. Eu acho até que aconteceu o que tinha que acontecer, era necessário.

 

Extraído de MPB em discussão. Santuza Naves, Frederico Oliveira Coelho e Tatiana Bacal. Belo Horizonte, UFMG, 2005.
 
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