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Jorge Mautner

Como já escrevi e declarei em meus dois livros de ensaios, o primeiro intitulado “Panfletos da Nova Era” editado em l978, e  o segundo intitulado “Fragmentos de Sabonete” editado em l974 pela primeira vez
e reeditado pela editora Relume Dumará em l994, o tropicalismo está cheio  e pleno de descendências, filhos, filhas netos e bisnetos culturais em quase todas as atividades culturais deste país-continente.

Nada melhor do que trazer exemplos concretos mesmo quando escrevemos um ensaio sobre idéias; portanto quero iniciar este artigo sobre a continuidade do tropicalismo em nossa cultura com o seguinte fato vivenciado por mim  durante o Carnaval de l998, em Salvador quando festejava-se justamente  
trinta anos de tropicalismo.

Era a quarta-feira de cinzas, e eu juntamente com vários artistas estava em cima de um trio elétrico especialmente construído para essa celebração dos trinta anos de tropicalismo. Na quarta-feira de cinzas, de acordo com a tradição baiana não só o carnaval estende-se até madrugada adentro, mas é também
o dia escolhido para o legendário encontro dos trios elétricos.

Tudo isto se dá, é preciso lembrar ao leitor e à leitora, sob uma magnífica paisagem da qual se vê a ilha
de Itaparica, sob um extraordinário pôr de sol tropical, em plena praça Castro Alves!  Portanto, lá estava eu em cima do trio elétrico  do tropicalismo  que  durante todos aqueles dias de carnaval havia sido comandado por Gilberto Gil e por Caetano Veloso, com a presença de  muitos artistas famosos, a desfilar
e a cantar e a brincar pelas ruas da Roma negra, mas que justamente naquela quarta-feira de cinzas, por ocasião do já mencionado encontro dos trios elétricos contava apenas com o comando de Gilberto Gil, pois Caetano Veloso por motivo qualquer neste instante não esteve presente, aconteceu uma cena estarrecedora.

Um dos trios elétricos era o de Carla Perez que rebolava enlouquecidamente seus quadris seguindo o ritmo frenético dos tambores da chamada axé music. Quase  em frente, o trio elétrico do tropicalismo comandado por Gilberto Gil, aonde eu e Dominguinhos no entreolhávamos espantados, Gilberto Gil mandava beijos sem cessar em direção de Carla Perez. De repente Carla Perez começou a fazer
uma declaração de amor total a Gil, a Caetano, ao tropicalismo, e  declarando-se filha e descendente
direta do tropicalismo.

Quando Carla Perez afirmou estas palavras naquele cenário exuberante e magnífico, Gilberto Gil
mandou-lhe mais beijos e eu vi lágrimas nos seus olhos. Lágrimas de pura emoção e de reconhecimento agradecido, nos olhos de um Gilberto Gil tão emocionado quanto Carla Perez.

Vou logo dizendo isso nesse início de artigo  para que fique bem clara a amplitude e a amplidão de influências do tropicalismo na cena atual. Ela vai desde estilos atuais musicais e comportamentais dos mais sofisticados aos mais populares. É também importante notar a existência  de preconceitos ainda fortemente arraigados entre os próprios continuadores do tropicalismo no que tange ou no que concerne a uma forma ou outra, de expressão. Por exemplo: vários fãs absolutos de  Caetano e de Gil, quando lhes relato este  evento ocorrido por ocasião do encontro dos trios elétricos em Salvador, com Carla Perez  declarando-se filha do tropicalismo e Gil emocionado mandando-lhe beijos e chorando de emoção, torcem o nariz  
e dizem que é impossível. Porque? Ora, porque pertencem à outra riquíssima vertente de influencias
do tropicalismo que ao contrário da Axé music (que certos jornalistas colegas meus da folha de São Paulo chamam de bunda music  de modo desdenhoso e politicamente incorreto) são como Arrigo Barnabé
ou Miguel Wisnik, digamos, continuadores do tropicalismo na direção da ultra sofisticação, do próprio compositor tornar-se decompositor, e da  linha enfim que com Morelenbaum tem igual  razão de existir
sob a democracia tropicalista.

Aliás, eu diria que o tropicalismo é como o atual regime da China Comunista que tem dois ditados, duas palavras de ordem: a primeira: um governo e dois sistemas. No caso, um tropicalismo e duas tendências opostas simultâneas que coexistem. E a segunda: tornar-se rico é glorioso.

Assim eu diria, como lembra tão bem Nelson Jacobina que, o tropicalismo tanto atua nas áreas acadêmicas, formais, concretas (do concretismo dos irmãos Campos) assim como nas áres do marginalismo de Hélio Oiticica (seja herói, seja marginal) ao Historicismo de Antonio Risério, ao budismo revisitado de Rogério Duarte, ao dadaismo nordestino de Tom Zé, ao panamericanismo de José Agripino de Paula, ao misticismo da Eubiose de Walter Smetack, ao neo-positivismo de Antonio Cícero, até o existencialismo agudo do Kaos de Jorge Mautner.

No dia a dia e na noite a noite das batalhas e dos contatos musicais  com os músicos sul-leste-norte-oeste deste país-continente, tenho tido suficiente experiência para afirmar e sintetizar os seus depoimentos
que se resumiriam em duas abstrações simbólicas que  soariam mais ou menos assim: sou muito jovem
e a minha musica é diretamente influenciada pelo tropicalismo e eu  amo Gil e Caetano. Ou então: sou  muito jovem e a minha música, apesar de eu negá-lo, é influenciada  pelo tropicalismo, e eu odeio Gil
e Caetano. Será que os odeio, porque mesmo  assim eles me influenciam? Não vou dizer nomes nem lugares para não dar em brigas. Mas eu juro que este é o fato. Mesmo Jards Macalé, (muito amigo meu
e genial artista, fundamental para o Brasil de todos os tempos) que pratica verdadeira campanha de quase ódio contra Gil e Caetano em termos musicais e estéticos e pessoais, é, a meu ver, totalmente influenciado e tornado possível como músico e pessoa por causa  do tropicalismo.

Sendo assim, reafirmo, não há possibilidade de escapar do tropicalismo. É como amor de mãe para sempre devorador e eterno.

Vou finalizar  quase repetindo o que digo no meu próximo livro a sair intitulado “Mobatalá ò Século XXI, Mobatalá com todo o ouro de Oxum!!!!” no qual eu registro  o mais do que escandaloso acontecimento
que estremece os U.S.A.  Pois é a primeira vez que os U.S.A. não absorvem uma cultura em seu célebre melting pot de culturas. Acontece que, para estarrecimento dos próprios jornalistas do Time Magazine
a cultura latino americana não é absorvida pelo melting pot tradicinal, mas que ao contrário disto,
afirma-se como cultura preponderante e dominadora. Desde soul food, amor latino, Ricki Martin nas paradas, ser latino é ser chique, é saber viver, enfim é a quintessência da fruição do viver. E quem será
a quintessência da cultura latina a não ser o Brasil e o seu tropicalismo? Não é a toa que Caetano Veloso
é considerado pelo New  York Times o fundador de um dos maiores e mais importantes movimentos culturais do século, assim como um dos seus maiores poetas. E idem para o meu compadre e amigo eterno Gilberto Gil, também assim considerado  uma espécie de Chuck Berry latino universal, que lá  no mundo deles, destes norte-americanos deve ser um elogio  total. Só eu, Criador do Kaos com K que antecedeu
a tudo isto, sabe que o tropicalismo, no entanto, é ainda muito mais do que tudo que  já se falou por aqui.

A influência do tropicalismo se estende em direção de todas as artes, não só das musicais, mas das cinematográficas, coreográficas, culinárias, plásticas, ambientais, etc. O próximo capítulo desta imensa ação tropical é a  sua influencia no mundo a partir deste inicio de século XXI no qual o Brasil terá
no espectro  da cultura mundial sua grande importância  por causa  deste tropicalismo que na realidade
é a meu ver, a massificação e a ampliação em direção da cultura de massas  da ideologia criada a partir
da semana de arte moderna de l922 em São Paulo do Brasil - Universal.

Eu fui descoberto por Paulo Bonfim, e por Vicente Ferreira da Silva a quem Oswald de Andrade se referia como sendo o único e mais profundo pensador do Brasil. Fui chamado por Gil e Caetano como predecessor do tropicalismo. Vê-se portanto que é por esses motivos que possuo com o movimento da arte moderna
e com o tropicalismo relações extraordinárias e vitalícias.

O tropicalismo é a democracia nas artes.

Jorge Mautner
dia 25 de fevereiro 2000
Rio de Janeiro Brasil-Universal

Exclusivo para o site Tropicália
 
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