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José Miguel Wisnik

Quando vi Caetano Veloso cantando “Tropicália” num programa de televisão de domingo à tarde, nalguma altura do segundo semestre de 1967, foi a maior sensação de descoberta que eu já tive com uma manifestação de arte contemporânea ao vivo (e o fato de acontecer na televisão faz parte da sensação
de acontecimento “ao vivo”). Eu já tinha me entusiasmado por “Domingo no parque”, e gostava
de “Alegria alegria”, embora a atitude pop contida nesta, com sua mistura de colagem e simplificação,
não me parecesse capaz de levar tão longe (hoje reconheço, no entanto que “Alegria alegria” é, entre todas as canções daquele momento, a que mais atravessa os tempos sem ser afetada pelas datas).

O disco de Caetano, em dezembro de 67, com a capa psicodélica de Rogério Duarte, consolidou completamente a sensação dada por “Tropicália”. Era uma mistura de surpresa e reconhecimento total
para quem tinha vindo havia pouco tempo para São Paulo, de uma cidade praiana (São Vicente), vivia
o ambiente estudantil com o sentimento do mundo, e achava o habitat mental vigente estreito frente
ao banho de realidades novas que os tempos estavam dando. Caetano e Gil se tornaram para mim,
e para muitas pessoas próximas, referências de vida e de pensamento para a vida toda, porque,
entre tantas outras coisas, expressaram, ao mesmo tempo que transcenderam, as intensidades daquele momento único.

A primeira relação entre a Tropicália e o meu trabalho artístico é o silêncio de vinte anos que vai entre
a minha participação no festival universitário de 68, com a canção “Outra viagem”, cantada por Alaíde Costa, e o meu retorno público à música no fim dos anos 80. Nesse tempo me enfronhei na vida universitária, fiz mestrado e doutorado, me dediquei à pesquisa e ao ensaio, escondendo, em boa parte
de mim mesmo, a música que, no entanto, nunca deixei de fazer. O meu trabalho ensaístico elabora critérios dados pela experiência tropicalista e seus desdobramentos. Mas, na música, a própria canção
tinha se tornado, depois dos tropicalistas, um acontecimento de dimensões tão múltiplas que a simples assimilação desse fato em mim demandou o tempo correspondente (e, nesse caso, vinte anos é o mínimo para um receptivo lento como eu, que presta uma atenção extrema e talvez demasiada em tudo).

Não reconheço “elementos” da estética tropicalista no meu trabalho, reconheço uma afinidade de fundo
que é permanente. Talvez porque eu seja um paulista do mar, de classe média trabalhadora, polaco democrático do litoral, pianista chopiniano formado numa província onde também havia música
de vanguarda, e goste de conviver com os contrapontos, as correspondências e as diferenças.

Exclusivo para o site Tropicália.

 
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