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O Divino Maravilhoso
Gal Costa
29 de junho de 2005

Naquela época convivia com todo o ambiente tropicalista. Só falávamos dos movimentos novos que surgiam no mundo. Gil ouvia Hendrix o dia inteiro. Janis Joplin não saia da minha cabeça. Aquele som, aquele rasgo de voz foi me tomando de uma forma que criou em mim uma necessidade de fazer alguma coisa diferente do que eu acreditava, de tudo o que já fizera e de como eu entendia a música até então.
Eu era muito radical, gostava de pouquíssima coisa. João era meu ídolo e nada, quase nada passava pela minha peneira. Não gostava de iê-iê-iê, nem da Jovem Guarda, de nada. Precisava fazer alguma coisa para me expressar, botar pra fora o que eu sentia, com força, atitude, e que, falando francamente, chamasse
a atenção sobre mim.

Gil e Caetano envolveram-se de corpo e alma com essas novas experiências da música popular brasileira. E dentre essas pesquisas me deparei com “Divino, maravilhoso”, uma canção que mexeu comigo. Caetano convidou-me para cantá-la no Festival da Record e Gil se propôs fazer o arranjo. Ele foi tão perspicaz que me perguntou como é que eu queria cantá-la. Expliquei que queria cantar de uma forma nova, explosiva, de uma outra maneira. Queria mostrar uma outra mulher que há em mim. Uma outra Gal além daquela que cantava quietinha num banquinho a bossa nova. Queria cantar explosivamente. Para fora. Gil fez então o arranjo para o “Divino,  maravilhoso”.


Quando Caetano me viu pisar o palco cheia de penduricalhos e espelhinhos pendurados no meu pescoço, aquela cabeleira afro armada por Dedé, quase morreu de susto. Ele não sabia de nada. Não tinha escutado o arranjo do Gil, nada, nada. Cantei com toda a fúria e força que haviam em mim. Metade da platéia se levantou para vaiar. A outra metade aplaudiu ferozmente. Um homem na minha frente berrava insultos.
Foi então que me veio ainda uma força maior que me atirou contra ele. Cantava diretamente para ele:
“É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte!”. Cantava com tanta força e tanta violência que o homenzinho foi se aquietando, se encolhendo, e sumiu dentro de si mesmo. Foi a primeira vez que senti o que era dominar uma platéia. E uma platéia enfurecida. Naquele tempo de polarização política, a música era a única forma de expressão. Despertava paixões, verdadeiras guerras. Saí do “Divino, maravilhoso” fortalecida, crescida. Acho que naquela noite entrei no palco adolescente, menina,
e saí mulher. Sofrida, arrebentada, mas vitoriosa.

 
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