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Tropicalismo para Principiantes
Torquato Neto
Extraído de Os Últimos Dias de Paupéria.
Rio de Janeiro, Max Limonada, 1982
Publicado originalmente em 1968

Um filme, chamado “Bonnie and Clyde” está fazendo agora um tremen­do sucesso na Europa. E com uma força tão grande que sua influência es­tendeu-se à moda, à música, à decoração, às comidas e aos menores hábitos das pessoas. São os anos trinta que estão sendo revividos. Bem por den­tro dessa história e à procura de um movimento pop autenticamente brasi­leiro, um grupo de intelectuais reunidos
no Rio - cineastas, jornalistas, compositores, poetas e artistas plásticos - resolveu lançar o Tropicalismo.
O que é?

Assumir completamente tudo o que a vida dos trópicos pode dar, sem preconceitos de ordem estética,
sem cogitar de cafonice ou mau gosto, apenas vivendo a tropicalidade e o novo universo que ela encerra, ainda desconhecido.
Eis o que é.

Porta-voz do tropicalismo, por enquanto. É o jornalista e compositor Nelson Motta, que divulgou essa semana, num vespertino carioca, o pri­meiro manifesto do movimento. E fazem parte dele, entre outros: Caetano Veloso, Rogério Duarte, Gilberto Gil, Nara Leão, Glauber Rocha, Carlos Diégues, Gustavo Dhal, Antônio Dias, Chico Buarque, Valter Lima Jr. e José Carlos Capinam. Muitas adesões estão sendo esperadas de São Paulo e é possível que Rogério Duprat, Júlio Medaglia e muita gente mais (os irmãos Haroldo
e Augusto, Renato Borghi etc.) tenham suas inscrições efe­tuadas imediatamente. O papa do Tropicalismo - e não poderia faltar um - pode ser José Celso Martinez Correa. Um deus do movimento: Nelson Rodrigues. Uma musa: Vicente Celestino. Outra musa: Gilda de Abreu.

O Tropicalismo, ou Cruzada Tropicalista, pode ser lançado qualquer dia desses numa grande festa no Copacabana Palace. A piscina estará repleta de vitórias-régias e a pérgula enfeitada com palmeiras de todos os tipos. Uma nova moda será lançada: para homens, ternos de linho acetinado branco, com golas bem largas e gravatas de rayon vermelho; as mulheres devem copiar antigos figurinos de Luiza Barreto Leite ou Iracema de Alen­car. Em casa, nada de decorações moderninhas, rústicas ou coloniais. A pedida são móveis estofados em dourado e bordô, reproduções de Osvaldo Teixeira e Pedro Américo, bibelôs de louça e camurça, retratos de Vicente Celestino, Emilinha Borba e Cézar de Alencar. Nada de Beatles, nada de Rolling Stones. E muitos pufes, centenas de almofadas.

O Dia das Mães, o Natal e o reveillon do jaguar serão as grandes festas do Tropicalismo, que exige eventos e efemérides. 25 de agosto é data impor­tantíssima. E ninguém perderá uma parada de 7 de Setembro. Desfile de escolas de samba (em cadeiras numeradas) e o baile do Municipal são obrigatórios. Revistas
de Gomes Leal, shows de Carlos Machado e filmes de Mazzaropi serão assuntos discutidíssimos. Cinerama também. Um ídolo: Wanderley Cardoso. Uma cantora: Marlene. Um intelectual: Alcino Diniz. Um poeta:
J.G. de Araújo Jorge. Um programa de TV: Um Instante Maestro. Uma canção: “Coração Materno”.
Um gênio: Chacrinha.

E daí para a frente. Aliás, os líderes do Tropicalismo anunciam o movi­mento como super-pra-frente:

- É brasileiro, mas é muito pop.

O que, no fundo, é uma brincadeira total. A moda não deve pegar (nem parece estar sendo lançada
para isso), os ídolos continuarão os mes­mos - Beatles, Marilyn, Che, Sinatra. E o verdadeiro, grande Tropicalismo estará demonstrado. Isso, o que se pretende e o que se pergunta: como adorar Godard
e Pierrot Le Fou e não aceitar “Superbacana”? Como achar Felinni genial e não gostar de Zé do Caixão? Porque o Mariaaschi Maeschi é mais místico do que Arigó?

O Tropicalismo pode responder: porque somos um país assim mesmo. Porque detestamos o Tropicalismo
e nos envergonhamos dele, do nosso subdesenvolvimento, de nossa mais autêntica e imperdoável cafonice. Com seriedade.

 

 
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