Leituras complementares

na américa do sul

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Na América do Sul
Após Le Corbusier o que está acontecendo?
Lina Bo Bardi

Com a desenvoltura de quem é rico, bonito e bem educado, o sr. Ray Smith, associate-editor (Feature and Interior Design) da importante revista de arquitetura norte-americana Progressive Architecture, apresenta um panorama da arquitetura na América do Sul.

Entrevista alguns arquitetos de renome e outros mais jovens, faz um balanço e, tirando as conclusões depois da descoberta de uma “Nova Onda” – que deveria ser a superação da temática lecorbuseriana – aconselha paternalisticamente os arquitetos sul-americanos a não copiarem a arquitetura “internacional industrializada” dos países desenvolvidos. Sugere, ao contrário, que estes se inspirem nas ocas dos índios, nos “ranchitos” e nas “favelas” dos pobres, como convém a arquitetos subdesenvolvidos que operam num continente também subdesenvolvido.

Superando a “desorganização”, a falta de preparo técnico e as veleidades “sociológicas”, os jovens arquitetos latino-americanos, colocados firmemente dentro de sua própria geração poderão tomar consciência do verdadeiro problema da arquitetura atual, isto é, de “como prover vastas quantidades de abrigos baratos, em termos de uma forma artística semelhante à joalheria”. Essa nova direção levará os dois continentes, as Américas do Norte e do Sul, a um entendimento arquitetônico mais íntimo.

Baseado num equívoco (não queríamos pensar em má-fé), o autor do inquérito, com disfarçado desprezo pelas posições “plástico-formalistas” lecorbuserianas, sumariamente liquidadas, expõe explicitamente a convicção de que a verdadeira arquitetura é a norte-americana, baseada na produção industrial de massa, à qual os jovens arquitetos latino-americanos “ainda” não podem ter acesso, por causa do subdesenvolvimento do país e deles mesmos.

O transplante norte-americano que esvaziou Gropius e Mies Van der Rohe, acabou com a inventiva de Grosz e a violência de Kurt Weill – que se tornou compositor de adocicadas melodias de filmes – deu a Brecht e Adorno a convicção de que os Mass-Media são instrumentos formidáveis nas mãos do capitalismo monopolístico. Segundo estes pensadores, para o “mecanismo” ser aproveitado numa sociedade mais justa e humana, é rigorosamente necessário basear-se em valores humanísticos, justamente aqueles de onde nasce a arquitetura “plástica” de Le Corbusier, que não é plástica, mas que hoje é cômodo definir assim, esquecendo deliberadamente todos os valores revolucionários político-sociais daquele movimento, que foi o Racionalismo.

A poética racionalista não está “esgotada”, seu conteúdo revolucionário e político foi, de propósito “superado” por aquilo que será historicamente classificado como “retorno” às velhas posições, que o mesmo Racionalismo tinha superado com suas afirmações de honestidade construtiva e de igualdade social.

Deixando de lado o grande Frank Lloyd Wright – que pertence ao movimento anglo-saxão do século XIX – de Ruskin a Morris com o impacto ainda politicamente indefinido dos pioneiros cantados por Whitman, e de Antonio Gaudí, tão espanhol, ou melhor, tão catalão, de não poder ter sérios seguidores internacionais, a nova arquitetura “Orgânica” da segunda metade do século XX, assim como os “Brutalismos” as “Ações”, os “Espontaneísmos”, e todos os movimentos denominados como reações às caixas de sapatos da arquitetura Racionalista, precisam hoje ser definidos por aquilo que representam: movimentos que, acompanhando o processo de revisão cultural de toda uma parte da cultura ocidental, definem como progresso situações precedentemente superadas e levadas novamente à cena revestidas de novos significados para defender velhas posições.

À Mass-Media aceita como um acontecimento da Natureza, ao invés de ser analisada nas suas razões histórico-sociais, precisa ser acrescentada à Arquitetura da Massa, expressão da “indústria”, que também não pode ser estudada criticamente por meio do historicismo idealístico da crítica formal ou da lingüística, sem que se considere sua verdadeira base determinante: a dimensão histórico-social.

Isto não quer dizer recusar o computer e valorizar a era mecânica contra a era eletrônica, mas apenas colocar o “computer” na verdadeira perspectiva histórica, considerando-o apenas como o meio para realizar a nova cultura de massa e, conseqüentemente, a nova arquitetura em vasta escala.

Que Le Corbusier, convidado pela subdesenvolvida América do Sul quando os países desenvolvidos ignoravam ou sorriam dele, tenha aqui exercido uma grande influência, é importante do ponto de vista de uma crítica positiva das possibilidades de visão cultural da América do Sul. O fato de seu ensinamento ter tomado aspectos diferentes liga-se a fatores de formação cultural, e o conseqüente julgamento de valores precisa ser feito em estrita base crítica, que leve em conta tais fatores. Que a posição técnico-folclórica propugnada pelo entrevistador norte-americano seja ligado à visão paternalista da América Latina, é irrefutável. A instabilidade arquitetônica da América do Sul é o reflexo de sua instabilidade econômica, política e social, de suas dúvidas culturais e, sobretudo, de sua falta de liberdade econômica, política e social.

A “Nova Onda”, la Nueva Ola, é a tentativa feita pela jovem geração de se afastar da idealização de uma época que “desmonta e remonta o homem”, como Galy Gay, o descarregador da peça Um homem é um homem, Bertolt Brech. A “Nova Onda” pode ser considerada não como a superação do lecorbusierismo, mas como a procura de um caminho fora do monopólio industrial desumano. O que o articulista americano não percebeu foi o perigo do “folclore” ínsito nesta tentativa, que não toma na devida conta as heranças de um grande movimento, logo afastado, e cujo desenvolvimento, quando tomado na sua verdadeira dimensão, poderia só dar os meios para chegar a uma nova arquitetura. Uma arquitetura que, por meio dos instrumentos racionalistas, registre as experiências do “não perfeccionismo” e da estruturação em “células coligadas”.

Uma arquitetura da nova era eletrônica e de verdadeira civilização de massa, na qual o homem, racionalmente responsável pelas grandes conquistas tecnológicas, cujos processos já vemos em ato, seja “dono” e não súcubo de acontecimentos julgados “inelutáveis”, fatalisticamente suportados e registrados.

A arquitetura está num impasse. Após Le Corbusier, depois do estilo norte-americano a “bloco”, depois das tendências Wright-Gaudiana, qual o caminho? Na Europa, no Japão, começa a procura da expressão atômica da arquitetura. Na América do Sul, os problemas sociais condicionam esta procura. Uma grande herança não pode ser esquecida: a herança Racionalista.