Leituras complementares

james amado

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James Amado
James Amado – Rio, outubro, 1968
(texto sugerido por Antonio Risério)

Neste mesmo instante GM está presente e atuante. (…) O Boca do Inferno está em São Paulo, para onde pensou viajar certo dia, entra caxingando num teatro repleto e sobe ao palco cercado de câmeras de televisão. Está muito jovem e permanece poeta popular. Pouco mudou no vestido: a cabeleira postiça de quando desembarcou na Bahia, de volta de Lisboa, é agora natural mas lembra o lombo sujo de um carneiro lanzudo. O colete de pelica âmbar, que tanto ofendia os mulatos endinheirados e pernósticos de seu tempo, trocou‑se numa jaqueta de espalhafatoso plástico amarelo. Em vez da viola de cabaça ele empunha uma guitarra elétrica de som estridente e desagradável. Seu verso é quase o mesmo, que já se espalhou por muitas partes, e ele repete em voz desentoada que ainda e sempre é proibido proibir a vida. Como no tempo e nos lugares por onde ele passeou sua liberdade, também no teatro paulista de hoje uma platéia de dois mil jovens repele a presença esmagadora com uma tremenda vaia, que milhões de aparelhos de televisão espalham pelo país. 0 franzino mazombo parece irritar‑se um pouco, pois é muito jovem, pergunta se o microfone tem som e atravessa a interminável assuada com sua singela advertência: “Vocês não estão entendendo nada”.

Do alto do seu roco, a sagrada gameleira em Opô Afonjá, Gregório de Matos, pequeno orixá baiano, observa, sorridente, suas próprias travessuras de Exu cavalgando o menino Caetano Veloso, “cavalo” padecente. Contempla sua cidade da Bahia, pronta para a automação mas tão bela, e se perde no morno pôr de sol sobre o mar de todos os santos, recolhe‑se à sua noite, satisfeito da “obrigação” recebida.