Identifisignificados

festivais

festivais

Na década de 60, o Brasil vivia uma grande efervescência cultural, da qual uma das pontas-de-lança era a música. Muitos programas de televisão comandados por músicos – todos em uma mesma emissora, a Record – surgiram na metade dessa década. Antes dos grandes atores das novelas, os primeiros ídolos da televisão foram músicos e cantores. Foi nesse período de otimismo com a MPB que foram criados, também pela TV Record, os Festivais de Música Popular Brasileira.

Neles, um sem-número de novos talentos podiam apresentar suas mais recentes criações e entrarem para a já concorridíssima cena musical. Esses festivais marcaram a história da música brasileira pela comoção que instauraram, pelas discussões que detonaram, pelo espaço que representaram em meio à ditadura e, significativamente, porque, através desses espaços, o movimento tropicalista pôde eclodir com todo o seu arrojo.

Alguns festivais foram especialmente marcantes, como o terceiro festival da TV Record, em outubro de 1967. Ousando desafinar o “bom tom” da música brasileira predominante à época – instrumentos acústicos e letras engajadas à esquerda – Caetano Veloso e Gilberto Gil acrescentaram a suas canções elementos do rock-and-roll, o que representava tabu e ojeriza para muitos, ou melhor, para quase todos.

“no pulso esquerdo bang-bang
em suas veias corre muito pouco
sangue mas seu coração balança
a um samba de tamborim
Caetano Veloso

Caetano defendeu a sua canção “Alegria, alegria” – uma marchinha pop cuja letra caleidoscópica retrata fragmentos da realidade urbana – acompanhado pelo grupo argentino de rock Beat Boys. Uma esperada vaia terminou abafada por aplausos de muitos. Gil também inovou apresentando a música “Domingo no parque” acompanhado pelos jovens roqueiros paulistas Os Mutantes. A grande novidade dessa música era o arranjo de concepção cinematográfica criado por Gil e Rogério Duprat.

Defendidas as canções, vaiadas e polemizadas, desenhou-se o que a Tropicália levaria às últimas conseqüências. A partir daí, cresceram os desafetos, assim como a violência da platéia. No entanto, para desgosto de muitos, “Alegria, alegria” classificou-se em 4º lugar e “Domingo no parque”, em 2º.

Um ano depois, a emergente Rede Globo de Televisão lançou o III FIC, Festival Internacional da Canção, em setembro e outubro de 1968.

O impulso tropicalista estava com força total nas mentes e produções de Gil e Caetano. Ambos se inscreveram, porém, não preocupados em vencer. Suas intenções eram questionar as estruturas do próprio festival e de toda a atmosfera cultural vigente. No FIC, ambos levaram à máxima potência a crítica e a ironia tropicalistas.

Gil apresentou “Questão de Ordem” ao lado dos Beat Boys. Junto a uma vaia abissal veio a sua desclassificação. As guitarras, seu visual black power e seu modo de cantar não agradaram a ninguém. Caetano apresentou “É proibido proibir”. A canção era praticamente um pretexto para ele defender uma postura de ruptura declarada ao “bom gosto” que as patrulhas de esquerda e de direita impunham à cultura. Mais performático, junto aos Mutantes, armou uma verdadeira zoeira musical orquestrada por Rogério Duprat. Repetia o slogan francês: “É proibido proibir”, enquanto um hippie americano urrava ao microfone.

Em novembro de 1968, a TV Record promoveu o seu IV Festival de Música Brasileira, mas este não suscitou o calor das edições anteriores. Tom Zé defendeu a sua “São São Paulo, meu amor” e obteve o 1º lugar. Os Mutantes concorreram com “2001”, de Tom Zé e Rita Lee, e ficaram em 4º lugar.

Entretanto, a grande revelação deste festival foi Gal Costa, que defendeu “Divino, maravilhoso”, de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Com uma interpretação lancinante e agressiva, revelava-se ao País uma virada na carreira da cantora que, até então era conhecida como Gracinha. A canção classificou-se em 3º lugar. O IV Festival da Record teve, ainda que sob a ressaca do FIC, um saldo expressivo para os tropicalistas.