Ruídos pulsativos
herdeiros musicais
Desde a sua eclosão, o Tropicalismo vem, com maior ou menor intensidade, inspirando jovens artistas que surgem em nossa música. Sua abertura de possibilidades sonoras e quebras de fronteiras entre gêneros e padrões de qualidade influenciou direta e indiretamente as gerações seguintes. Sua ousadia pioneira ainda no fim dos anos 60 possibilitou uma maior liberdade para os músicos e bandas surgidas após o movimento.
Nos anos 80, por exemplo, duas vertentes bem diferentes reeditaram as ousadias tropicalistas. O rock brasileiro e a chamada “vanguarda paulistana” dialogaram diretamente com os avanços do movimento. Enquanto o Brock reatualizou o debate sobre a influência do pop-rock internacional na música brasileira, o compositor paranaense Arrigo Barnabé, principal representante dessa “vanguarda” paulista, levou avante a irreverência, a experimentação e a invenção tropicalistas.
Nos anos 90, a obra dos tropicalistas serviu de estímulo para uma série de grandes cantores-compositores da moderna MPB. O pernambucano Chico Science, por exemplo, criou junto com sua banda Nação Zumbi uma das expressões mais fortes do panorama musical do período, empregando um recurso tipicamente tropicalista: o diálogo estratégico de ritmos regionais (como o maracatu) e universais (como o rock, o funk e o rap). O estilo foi classificado de Mangue-beat e adquiriu caráter de movimento, com direito a manifesto influenciado pela proposta de antropofagia cultural do modernista Oswald de Andrade. Outras bandas atuais de Recife, como Mombojó ou Eddie, ainda mantêm a perspectiva de modernizar o som local a partir de influências universais.
A sintonia com o canibalismo oswaldiano-tropicalista é evidenciada também por outros trabalhos, como os de Carlinhos Brown, Arnaldo Antunes e Marisa Monte. Não à toa, os três fundaram o projeto Tribalistas, com claras influências tropicalistas, seja pelo seu som e letras, seja pela proposta de um disco coletivo entre compositores. Da mesma forma, esse legado também se faz presente em suas carreiras. O compositor e músico baiano promove, tanto com sua música quanto com seu visual exagerado, uma nova e pessoal mescla de linguagens locais e alienígenas, o rock-afro-reggae-baiana. Já o paulista Arnaldo Antunes, compositor popular e poeta concretista, mostrou-se em sua carreira solo um legítimo herdeiro da inquietação e do espírito de aventura característicos do revolucionário grupo baiano. A carioca Marisa Monte, por sua vez, segue o exemplo de liberdade de repertórios e compromisso com a inovação musical. Marisa se permite interpretar os mais diversos gêneros de dentro e de fora do País, do pop ao brega, do rock de vanguarda ao samba de tradição, gravando inclusive músicas diretamente ligadas ao Tropicalismo, como “Panis et Circensis”.
Ainda na virada do novo século, a influência do tropicalismo mostrou-se presente. Sem resgates saudosistas, ela impôs-se, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, como uma das mais inovadoras propostas musicais no século XX. Bandas como Tortoise, Nirvana, Stereolab, High Lamas, e cantores como David Byrne, Beck e Sean Lennon admitiram a influência direta dos discos tropicalistas em suas obras. No Brasil, compositores e bandas como Adriana Calcanhoto, Lenine, Pedro Luís e a Parede, Los Hermanos, +2 (formada por Moreno Veloso, Domenico Lancelotti e Kassin), além das manifestações ligadas aos sons das periferias urbanas – como o rap e o funk – trazem um forte laço com o tropicalismo, nem tanto pelo aspecto sonoro, mas principalmente pelo aspecto da atitude inovadora e da quebra dos preconceitos que, nos anos 60, engessavam a modernização e a liberdade criativa no País.