Ruídos pulsativos

geleia geral

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O Tropicalismo ocorreu em um momento chave na história cultural brasileira. Ao lado da renovação musical que os baianos e seus companheiros inauguraram, outras áreas se encontravam em plena efervescência. A “geleia geral”, expressão do poeta Décio Pignatari que virou título da canção-manifesto de Torquato Neto e Gilberto Gil, apresentava-se na forma de um País cuja sociedade dividida e contraditória vivia no limiar da modernidade (formiplac, televisão, Jornal do Brasil), mas ainda presa à tradição (bumba-meu-boi, mangueira, céu de anil). O Cinema Novo, o teatro e suas companhias como Arena e Oficina, um intenso pensamento crítico nos jornais e revistas e uma série de trabalhos revolucionários nas artes plásticas criavam as condições de radicalidade estética do movimento.

Os trabalhos ligados ao Tropicalismo assumiram uma posição crítica frente à participação da arte brasileira na linguagem urbana internacional. Ser tropicalista era pensar e propor uma nova imagem do Brasil. Ao se apropriar de elementos transgressores da arte mundial, da cultura de massas e da música pop, o intuito de seus participantes era universalizar não só a música popular, mas toda a cultura brasileira.

O movimento trouxe a polêmica introdução da guitarra e do baixo elétrico nos arranjos de suas canções, rompendo o tradicional formato acústico da música popular brasileira. Suas influências internacionais foram desde os Beatles e seu álbum experimental Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band até a guitarra de Jimi Hendrix e o canto de Janis Joplin. Também foram de grande relevância dois extremos: a participação dos maestros eruditos do grupo Música Nova, sobretudo do genial Rogério Duprat, e o movimento pop da Jovem Guarda.

“Um poeta desfolha a bandeira e a manhã tropical se inicia resplandente, cadente, fogueira num calor girassol com alegria na geléia geral brasileira que o jornal do brasil anuncia.”Gilberto Gil e Torquato Neto

No contexto nacional, o Tropicalismo beneficiou-se de contatos com outras áreas artísticas que já vinham militando na vanguarda desde os anos 50. Os trabalhos com relações mais evidentes são o filme Terra em Transe, de Glauber Rocha, e a peça O Rei da Vela, montada por José Celso Martinez Corrêa. Ambos, filme e peça, foram assistidos por Caetano Veloso e incorporados em seu repertório de referências. Outros, tão importantes quanto os dois primeiros, porém menos falados, foram a instalação Tropicália, de Hélio Oiticica, e o romance Panamérica, do escritor e cineasta José Agripino de Paula. Enquanto o primeiro deu o nome ao movimento e trouxe uma proposta antropofágica na concepção de suas obras, o segundo inaugurou uma poética em que o uso dos elementos da cultura pop norte-americana era inovador e instigante.

Ao redor dos compositores, algumas pessoas, como o designer e filósofo Rogério Duarte, tiveram influência fundamental nas propostas tropicalistas, com suas idéias e participações pontuais. O mesmo se deu no campo da crítica, com a Poesia Concreta dos irmãos Campos e de Décio Pignatari. Foram os concretistas que apoiaram o movimento à primeira hora. Por meio deles, os compositores chegaram à poesia e à filosofia antropofágica do modernista Oswald de Andrade, autor do Manifesto Antropófago e da peça O Rei da Vela.

Toda essa “geleia geral” era louvada pelos tropicalistas em prol da liberdade e do risco. Suas ações foram, nos dizeres de Décio Pignatari, “medula e osso” na renovação da cultura brasileira.

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