Ruídos pulsativos

marginália

marginália

“Seja marginal, seja herói”. Com essa frase, Hélio Oiticica sintetizou uma série de trabalhos que ficaram conhecidos como marginália. A marginália ou cultura marginal passou a fazer parte do debate cultural brasileiro a partir do final de 1968, durando até meados da década de setenta. É nesse período que surgem o cinema marginal, nos filmes pioneiros de Rogério Sganzerla e Ozualdo Candeias, e a imprensa marginal, em jornais e revistas como O Pasquim, Flor do Mal, Presença ou Bondinho. Na literatura e na poesia, o tema da marginália é associado aos trabalhos de autores como José Agripino de Paula, Waly Salomão, Francisco Alvim, Gramiro de Matos, Torquato Neto, Charles ou Chacal. No campo musical, a idéia do artista marginal é substituída pelo rótulo do músico maldito, cujos principais nomes desse período são Jards Macalé, Sérgio Sampaio, Jorge Mautner, Luiz Melodia, Carlos Pinto e Lanny Gordin.

“eis que esse anjo me disse apertando minha mão
com um sorriso entre dentes vai bicho
desafiar o coro dos contentesJards Macalé e Torquato Neto

A marginália teve origem nos trabalhos de uma série de artistas, principalmente daqueles ligados à formação do grupo intelectual reunido durante 1967 e 1968 a partir do tropicalismo. Após a prisão e o exílio de Caetano Veloso e Gilberto Gil, artistas como Rogério Duarte, Torquato Neto, José Carlos Capinan, Hélio Oiticica, Waly Salomão e outros passaram a apontar em seus textos e criações um caminho mais radical e transgressor para os dilemas culturais da época.

Em 12 dezembro de 1968, a jornalista e fotógrafa Marisa Alvarez Lima publica na revista O Cruzeiro o artigo “Marginália – arte e cultura na idade da pedrada” e divulga publicamente os primeiros nomes e trabalhos ligados ao tema da cultura marginal.

Através de uma relação criativa entre a arte brasileira e o cotidiano social das grandes cidades, a marginália passa a incorporar em seus trabalhos uma série de elementos e representações da violência diária. Seu intuito era propor uma crítica aos conservadorismos da sociedade. Fruto direto do avanço da contracultura no Brasil, muitas vezes a cultura marginal é associada à idéia do desbunde ou da curtição, termos relacionados a uma parcela da juventude brasileira desse período.

Como obras de destaque relacionados à marginália encontram-se filmes como “Câncer”, de Glauber Rocha (1968), “A Margem”, de Ozualdo Candeias (1967), e “O Bandido da Luz Vermelha”, de Rogério Sganzerla (1968); livros como Me segura que eu vou dar um troço, de Waly Salomão (1972), e Urubu-Rei, de Gramiro de Mattos (1972); textos de Hélio Oiticica, de Rogério Duarte, de Décio Pignatari e dos irmãos Campos, publicados em jornais alternativos como Flor Do Mal, Presença e O Verbo Encantado (todos de 1972); além das colunas publicadas por Torquato Neto no jornal Última Hora, com o título emblemático de “Geléia Geral”, e o almanaque de exemplar único Navilouca (1973).

Após uma intensa produção no cinema, na imprensa, na música popular e na literatura, esse grupo se desfaz aos poucos na busca de caminhos individuais de trabalho e tem seu término “oficial” no suicídio de Torquato Neto em novembro de 1972. Seu último ato coletivo foi o lançamento da Navilouca, revista organizada por Torquato e Waly Salomão ao longo de 1972 e publicada no ano seguinte.

+Ruídos pulsativos
marginália