Leituras complementares

ceao – centro de estudos afro-orientais

← Voltar

CEAO – Centro de Estudos Afro-Orientais
Antonio Risério
Extraído de Avant-Garde na Bahia, Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1995

Os gestos da universidade baiana em direção a Portugal e à África merecem atenção especial.

Historicamente, a europeização da elite político-econômica, na medida em que significava um divisor de águas social, deixava as camadas populares entregues à própria sorte, o que permitiu que estas criassem uma espécie de “mundo paralelo” no terreno da cultura.

Ao colocar suas fichas no CEAO, Edgard estava, na verdade, fazendo uma aposta no âmbito da “cultura superior”. Investia no desenvolvimento das chamadas ciências sociais entre nós, dentro de um projeto político globalizante (ele e Agostinho eram, essencialmente, seres políticos), numa iniciativa prático-teórica, não exatamente “acadêmica”, que viria carimbada com a chancela ou o aval da Unesco. Agostinho trazia para o reitor uma leitura sofisticada da importância de se ter e executar uma política para o Atlântico Sul, envolvendo o conhecimento histórico-cultural das realidades da Bahia e da África e intercâmbios entre as duas margens do oceano. O “mundo paralelo” baiano estaria assim no centro da tela do CEAO, mas este – e não aquele – concentraria o interesse do reitor, seduzido pelo alcance e a originalidade da proposta que lhe fora apresentada.

Por tudo isso, temos que dizer que, se Edgard se deslocava na raia da “cultura superior”, pensando em termos de desenvolvimento científico e, mais ideologicamente, de projeção do Brasil no cenário internacional, o fato é que, incrementando a idéia de Agostinho, até concretizá-la no CEAO, realizou uma obra que ia ao encontro das aspirações dos segmentos mais lúcidos das camadas populares e que teria funda repercussão no mundo cultural paralelo que vinha se configurando há tempos em terras baianas. Mais ainda: o CEAO seria, como certamente foi, um mecanismo importante para o fortalecimento desse mundo paralelo.

Tratava-se de conhecer a África no Brasil e de fazer o Brasil conhecido na África. Foi assim que o antropólogo Vivaldo da Costa Lima tomou o rumo da Nigéria e de Ghana, trabalhando na Universidade de Ibadã e na Embaixada do Brasil em Acra. Martiniano-Ojeladê, que tanto se esforçara para o incremento do contato Brasil-África, poderia ver agora estudantes, professores e pesquisadores fazendo a travessia atlântica não mais compulsoriamente, como no tempo do tráfico de escravos, mas para estreitar laços, aprofundar conhecimentos, trocar informações. Ou
seja: fosse qual fosse a postura pessoal de Edgard frente às manifestações culturais negromestiças da Bahia, o fato é que, via Agostinho, via CEAO, ele fortaleceu todo um movimento de projeção e consolidação de formas, práticas e valores de extração negroafricana na Bahia.

Abrindo a porta institucional, Edgard permitiu que Agostinho e sua trupe mandassem brasa, provocando fissuras na couraça europeísta, no superego “greco-latino” e na rêverie alienada da elite sociocultural baiana. Com o CEAO e o Museu de Arte Moderna (este, extrauniversitário e sob o comando de Lina Bo Bardi), criou-se um campo magnético cujos efeitos se estendem claramente até hoje, inclusive no espaço das políticas públicas para a cultura.