Eubioticamente atraídos

tropicalistas eram cheios de empáfia e pretensão

tropicalistas eram cheios de empáfia e pretensão

Polêmica

Tropicalistas eram cheios de empáfia e pretensão
Paulo Francis
O Estado de São Paulo, 7 de agosto de 1993

A Tropicália está em Tristes Trópicos, de Claude Levi-Strauss, a melhor biografia do Brasil, que tem em Gilberto Gil um artista com veemência de estrela.

Me ocorre que a Tropicália é um subproduto da idéia de jerico do chanceler Azeredo Silveira de que, já que o Brasil não entrava mesmo no Primeiro Mundo, podia ser o primeiro do Terceiro Mundo. Ele ficou tiririca porque recebeu um não do governo dos EUA. Pediu em 1975 a Kissinger que vendesse óleo americano ao Brasil, já que o óleo dos “States” é em 50% produzido nos EUA e saía mais barato do que o Brasil importando da OPEP, a liga de produtores que resolveu escorchar o mundo triplicando os preços em 1973 e depois sextuplicando em 1979, falindo o regime militar brasileiro, o que levou a decantada abertura saudada como “conquista” pelos bocós: a primeira prenda da abertura foi José do Ribamar Sir Ney, cujo último nome foi adaptado para Sarney…

Se a Petrobrás funcionasse o Brasil seria auto-suficiente em óleo.

Idiotas da objetividade dirão que a Tropicália precede a mulice de Azeredo Silveira. Mas deve ter sido esse coice do chanceler que deu à Tropicália sua empáfia e sua pretensão. O que que eu tenho com isso? Nadinha da silva.

Nem em música. Acredito, com José Lino Grunewald, que música brasileira e samba do Rio, que vai do letradíssimo Noel Rosa ao talento de Tom Jobim e, como acréscimo estrangeiro, tango. Sim, tango, se bem que só percebi como pode ser sensual em Alice, de Woody Allen, em que “La Cumparsita” é usada com grande efeito. Problemas de sertanejo não me interessam. Euclides da Cunha, si, suas personagens, no.

Não é preconceito ou esnobismo. Simplesmente acho pobre pobre. A compaixão é intrinsecamente indesejável porque é uma paixão, escreveu Spinoza. Em miúdos, compaixão é uma manifestação do narcisismo. Se eu pudesse acabava a pobreza, mas não posso e não vou ficar dourando a pílula de uma maneira ou de outra. Acho que o Brasil é um país sem vergonha na cara, permitindo que o Norte e Nordeste vivam como (sub) vivem. Nunca poderemos sequer pleitear uma identidade como nação enquanto persistir esse horror.

Acho Gilberto Gil ótimo como cantor. Tem um balanço e uma veemência de estrela. Brilha e reflete. Se ele é Tropicália, sou a favor. Se o Glauber de Barravento e Deus e o Diabo, que são, really, os dois únicos filmes brasileiros, depois de Amei um Bicheiro, é Tropicália, sou a favor. Mas é um julgamento estético, não político. Talento supera tudo. A Tropicália está em Tristes Tropiques, de Levi-Strauss, a melhor biografia do Brasil. Mas não é nada disso. A Tropicália se inspira na inevitabilidade de se viver na merda e na convicção de se dever dizer que o gosto é bom. O falecido Carlinhos de Oliveira me fez longas preleções sobre a Tropicália, de que é reconhecidamente um dos autores. Explicou que brasileiro é, em geral, subnutrido, mirrado, de cor não branca, e que fica muito esquisito no mundo gente alta, civilizada ocidentalmente, ou loura, ou de olhos azuis. E, afinal, quem é que determina que essa última gente é melhor, se não ela própria? Devemos louvar o que somos. É uma porcaria, mas é nossa.

Waaal, acho que Machado de Assis não concordaria com Carlinhos de Oliveira, os dois sendo fisicamente parentes, falando nisso, e Carlinhos não era escritor de garranchos, mas um cronista apreciável, apesar de fazer muito sentimentalismo sobre mulher, a que, quando conquistava, maltratava sadicamente.

Civilização, escreveu Lionel Trilling, é uma luta constante do que é melhor contra a massa de vulgaridade, luta inglória, defensiva, de tentar preservar um mínimo de luz das trevas da boçalidade intrínseca a que leva a nivelação por baixo que chamam de democracia. O homem foi feito à imagem de Deus. Acreditou-se nisso séculos, pré-Darwin, e certamente nossa imagem, agora que Deus morreu, pode ser recriada a Sua Imagem, como um ato existencial, que se tente o melhor para conseguir o bom ou o razoável, e que tudo mais vá para o inferno. Hei’ ge nacht, cantam Tristão e Isolda, e que lhes importa que a mula manque… Rosetam, e como.