Ilumencarnados seres

Três trópicos da tropicália

torquato, torquato

Onde estava o poeta Torquato Neto, no Festival de 67, momento de fogo do começo da Tropicália? Ausente. Em que letra ou parceria? Ausente. Não tenho outra saída e acabo me deparando com uma conclusão assustadora e paradoxal: “Domingo no Parque” foi uma notícia trágica para Torquato Neto. O próprio Gil fez a letra! Meu Deus, que sentimento contraditório e louco. E não é que o danado do Gil se revelou um letrista inovador? A notícia boa para o Brasil era, queiramos ou não, para Torquato Neto, a notícia da solidão. Da sua “exclusão”. E não é que a poesia de Gil, para aumentar sua contraditória dor, era mesmo linda e até, segundo os críticos, trazia para o contexto da canção popular os planos e tomadas cinematográficas etc?

Que fazer então? Proibir Gil de compor, de se expressar? Queixar-se de Elis Regina, que com “Louvação” vendera recordes? Outros parceiros? Mas quais? (O Brasil estava cindido em Tropicália e antitropicália.) Bandear-se para o outro lado? Ah Torqua, sua grandeza aí não tinha escolha! E mesmo quando, virando-se no travesseiro, você experimentou a hipótese, Ana, sua corajosa companheira, reagiu com sensatez: “Ora Torquato, você está comprometido com o futuro” – e pronto. (E olhe que não era uma lua boa para poetas aquele 67. Capinam, veja, na hora de receber a metade do prêmio com Edu Lobo pelo primeiro lugar de “Ponteio”, recebeu do empresário daquele a farpa de que “Edu era músico tão bom que não precisava de letra de ninguém para ganhar festival”.)

“Tom já falei com Guilherme Araújo, eu quero cantar”. Ora, como todo mundo cante sem compromisso, eu, na minha vida de músico, só conhecera três pessoas que não afinavam nem uma nota: Augusto Boal, Jamary Oliveira e Torquato Neto.

Não cantar apagava a visualidade de Torquato, na fase em que se instaurava com mais força o cantor-imagem: seu silêncio vocal retirava-o dos registros de comportamento e performances que caracterizaram o Tropicalismo. Esse apagamento de Torquato é uma das possíveis raízes fundadoras para maneira como ele saiu da vida. História-raiz – uma face, apenas, da lapidação da pedra, que tem tantos ângulos quantos são os olhos que vêem. Nem ângulos nem olhos são exatos. Imprecisão Rashomon.

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