Ruídos pulsativos

estudos afro-orientais

Avant-Garde na Bahia

Em agosto de 1959, o reitor Edgard Santos daria uma de suas cartadas mais decisivas na renovação da Universidade Federal da Bahia e nas relações culturais que imperavam até então na cidade de Salvador. Nessa data, o professor e filósofo português George Agostinho da Silva propôs ao reitor a criação de Centro de Estudos Afro-Orientais – CEAO. Idéia proposta, idéia aceita, o CEAO tornou-se em pouco tempo uma referência da cultura afro-brasileira em todo o País. Suas pesquisas visavam ao aprofundamento das relações entre o Brasil e o continente africano. Em uma Bahia que ainda mantinha fortes preconceitos raciais, a decisão de Edgard mostrava o grau de ousadia em suas ações.

Idealizador do centro de pesquisa, Agostinho da Silva chegou ao Brasil durante a década de quarenta, fugindo do regime salazarista em Portugal. Trabalhou e morou na Paraíba, em Pernambuco, na Bahia, em São Paulo, em Florianópolis e em Brasília, Estados onde contribuiu para a fundação da UFPB, UFSC e UnB. Em Salvador, além do CEAO, fundou o Centro de Estudos Portugueses. Agostinho chegou à Bahia em 1959, para participar do 2° Colóquio de Estudos Luso-Brasileiros. É nessa ocasião que faz a proposta a Edgard Santos: fundar um centro de pesquisa voltado para as relações políticas e culturais na região do Atlântico sul. Seus escritos e suas aulas – ensinou até Filosofia do Teatro para alunos da Escola de Teatro – influenciaram diretamente intelectuais do porte de Glauber Rocha e Caetano Veloso.

As atividades do CEAO foram uma espécie de nova etapa em um longo processo histórico que ocorria na Bahia – e no Brasil em geral. Sua fundação vai ao encontro dos trabalhos pioneiros de intelectuais afro-brasileiros, como os baianos Édson Carneiro, Arthur Ramos e Luís Vianna Filho. A relação profunda entre a cultura baiana e o candomblé, o papel do negro na sociedade brasileira e a análise das permanências da cultura africana na população negra brasileira eram temas que desde a década de trinta estimulavam debates, publicações e congressos. Apesar de todas as resistências por parte das elites, esse tema ganhou cada vez mais corpo ao longo dos anos, culminando com a fundação do CEAO em 1959.

No início dos trabalhos, Agostinho da Silva contou com a colaboração do fotógrafo francês e futuro babalorixá Pierre Verger, do antropólogo Vivaldo da Costa Lima, do jornalista Nelson de Souza Araújo e do professor Waldir Freitas Oliveira. Por terem apenas um contato teórico com a cultura africana, Vivaldo da Costa Lima é enviado para países africanos e leciona por três anos em países como Benin, Nigéria e Gana. Ao voltar, passam a difundir novas informações sobre a cultura africana em geral e sobre a cultura negra em particular. Os alunos, que poderiam ser qualquer um que soubesse ler e escrever, tinham a oportunidade de participar de cursos até então inéditos nas universidades brasileiras, como “História da África Negra” e “Culturas africanas no Brasil”.

Tais atividades ocorriam no terreno fértil da cultura afro-baiana, em plena efervescência no período. Com o CEAO, a cultura e a religiosidade popular da Bahia ganham um espaço de debate e valorização dentro dos muros da Universidade. A UFBA, através dos estudos de Agostinho da Silva e de seus colaboradores, amplia sua atuação na sociedade baiana, incorporando toda a “cidade paralela” que habitava os romances de Jorge Amado, as fotografias e livros de Pierre Verger, os trabalhos de Carybé e Mario Cravo Junior e as músicas de Dorival Caymmi.

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