Ruídos pulsativos
Marginália
Imprensa underground, marginal, nanica ou alternativa foram termos dos anos setenta para definir
uma série de publicações que passou a circular com freqüência durante a ditadura militar. Sua ligação
com a idéia de marginália vem de suas atuações clandestinas e iconoclastas, cujos textos rompiam com
os padrões jornalísticos oficiais da época. Jornais, revistas, almanaques e suplementos foram produzidos
e lançados no intuito de criar novos caminhos para a circulação de informação e idéias.
Dos jornais relacionados a essas práticas, o fundador foi, sem dúvida, o semanário carioca O Pasquim.
A partir de seu lançamento em 1969, o jornal semanal passou a ser um espaço de informação obrigatório para grande parcela da população. Notícias e ensaios teóricos eram publicados lado a lado com artigos humorísticos e pequenas fofocas dos meios culturais cariocas. O jornal foi fundado por um grupo eclético de jornalistas e humoristas das diversas redações dos anos 60 do Rio de Janeiro: Tarso de Castro (idealizador do jornal), Millôr Fernandes, Paulo Francis, Jaguar, Henfil, Fortuna, Ziraldo, Sérgio Cabral e Luís Carlos Maciel. Com um grande número de exilados, muitas colunas eram escritas por “correspondentes internacionais”, como era o caso de Chico Buarque, Caetano Veloso, Ferreira Gullar e Glauber Rocha.
O sucesso de um dos primeiros jornais da imprensa alternativa brasileira inaugura o boom que o gênero teria na década de 70.
Nos principais jornais alternativos dessa época havia dois eixos claros de interesse: a temática da contracultura, com jornais como Flor do Mal, Presença e Verbo Encantado e revistas como
Pólem, Bondinho, Código, Rolling Stones e JA (Jornal de Amenidades); e a temática da luta contra
a ditadura militar, com os jornais voltados para o debate político e os problemas econômicos no País,
como Opinião e Movimento.
Os jornais ligados ao universo da margináliatêm parte de sua origem nas colunas escritas por Luis Carlos Maciel e publicadas no Pasquim. Com o título de “Underground”, Maciel publicou uma série de reportagens sobre psicanálise, filosofia oriental, drogas alucinógenas, vida comunitária. Logo após sua saída do jornal em 1972, funda com Rogério Duarte, Torquato Mendonça e Tite de Lemos a Flor do Mal, jornal de curta atividade, como quase todos desse período.
O melhor exemplo da imprensa underground brasileira é o almanaque de exemplar único Navilouca, organizado e editado por Torquato Neto e Waly Salomão por quase dois anos e publicada em 1973, após
a morte de Torquato. Com tratamento gráfico ousado e bem acabado, a Navilouca reúne os principais nomes ligados à marginália, com textos e trabalhos ousados para os padrões da época. Participam da revista, além dos organizadores, Hélio Oiticica, Lygia Clark, os irmãos Campos, Caetano Veloso, Ivan Cardoso, Luciano Figueiredo e Oscar Ramos, Duda Machado, Rogério Duarte, entre outros. Vale lembrar que Torquato Neto também manteve durante os anos de 1971/72 a coluna “Geléia Geral” no jornal Última Hora. Apesar de ser publicada em um jornal oficial, seus textos misturavam poesia, informação e dicas culturais, e eram lidos com interesse pelos leitores dos jornais alternativos.
Outras revistas do período relacionadas a esse universo da contracultura e da informação de vanguarda foram a Pólem, de Duda Machado, e as revistas baianas Código e Muda, de Antonio Risério. Além delas,
a revista Bondinho, de São Paulo e aversão brasileira da Rolling Stones, também dirigida por Luis Carlos Maciel, apostavam no interesse do público jovem pelo rock-and-roll e pelos grandes ídolos da música brasileira que se identificavam com algumas idéias da contracultura.
Apesar dessas publicações e de muitas outras não citadas, poucos atingiram o sucesso que O Pasquimobteve em seus primeiros anos. No final dos anos 70, apenas jornais políticos ainda circulavam com freqüência no circuito da imprensa alternativa brasileira.