Ruídos pulsativos

poesia de mimeógrafo

Marginália

“Poesia de mimeógrafo” foi uma das formas de se batizar a produção de alguns poetas que, durante os anos setenta, passaram a lançar seus livros a partir de cópias feitas, literalmente, em máquinas de xerox e mimeógrafos. Suas poucas cópias eram vendidas de mão em mão, em envelopes ou outros suportes artesanais, concretizando assim um processo alternativo de criação, produção e distribuição do poema. Com poucas cópias, seus trabalhos circulavam de forma restrita entre um público de “iniciados” ou de pessoas que freqüentavam eventos como shows, exposições, portas de cinemas ou bares da moda. Também conhecida com o nome genérico de “poesia marginal”, essa poesia foi marcante para toda uma geração que buscou, por meio da literatura, alguma forma de atuação cultural fora dos padrões oficiais da academia e da crítica literária.

Seus principais representantes são os poetas Chacal, com seus livros de estréia intitulados Muito Prazer (1971) e Preço da Passagem (1972), Charles, com Travessa Bertalha 11 (1971), além de outros poetas que, apesar de não terem publicado seus livros de forma artesanal, compartilharam as mesmas posturas transgressoras e experimentais em seus trabalhos, caso de Francisco Alvim, Cacaso e Ana Cristina César. Além deles, vale ressaltar o trabalho dos coletivos de poetas como os grupos Frenesi e Nuvem Cigana – este encabeçado pelos poetas e letristas Bernardo Vilhena e Ronaldo Bastos. Apesar das muitas diferenças entre tais trabalhos, a atitude irreverente e transgressora desses poetas constituiu, parodiando um de seus participantes, “mais um movimento de poesia do que um movimento literário”.

A poesia marginal teve um momento marcante com o lançamento da coletânea 26 poetas hoje (1975), organizada por Heloísa Buarque de Hollanda. Nessa coletânea, Heloísa faz um balanço de todo o período, publicando lado a lado a nova geração e alguns dos poetas que já estavam envolvidos com outros movimentos culturais, como o tropicalismo e a marginália. Waly Salomão, Torquato Neto, José Carlos Capinan e Duda Machado aparecem ao lado dos novos como Chacal, Bernardo Vilhena, Ana Cristina César e Francisco Alvim. Unindo todos, o rótulo genérico criado pela crítica e nem sempre bem aceito por parte dos poetas de marginais.

Ainda ligado à literatura, alguns autores desse período também tiveram seus romances e textos batizados de “marginal”, criando no campo da prosa a outra face da atuação experimental dos poetas. Livros como Panamérica (1968), de José Agripino de Paula, Me segura que eu vou dar um troço (1972), de Waly Salomão, Urubu-Rei (1972) e Os Morcegos estão comendo os mamões maduros (1973), de Gramiro de Matos e Catatau, de Paulo Leminski (1975), foram inseridos nesse grupo pela crítica literária da época, apesar de suas diferenças de estilo e proposta. Além desses livros, outros trabalhos como a publicação póstuma dos poemas e escritos de Torquato Neto no livro Os últimos dias de Paupéria (1973) tornou-se uma das “bíblias” dos novos escritores. A figura marginal do poeta piauiense permaneceria como um símbolo de toda uma geração.

Já no final da década de setenta, algumas manifestações como os Almanaques Biotônico Vitalidade (lançados pelo grupo Nuvem Cigana em 1976 e 1977), as revistas Anima (1977), de Abel Silva, e Malasartes (1975/76) foram espaços em que o espírito criativo dessa literatura manteve-se aceso. Com o passar dos anos, porém, permaneciam o inconformismo com a “cultura oficial” brasileira, a vitalidade criativa e o risco constante da invenção poética em seus trabalhos, características que se tornaram um legado para diversos poetas e escritores que viriam a seguir.

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