Ruídos pulsativos
Marginália
Era outubro de 1971 e Torquato Neto escrevia em sua coluna “Geléia Geral”, publicada no Jornal Última Hora: “Não há nada melhor atualmente, na Música Popular Brasileira extra-exaltação. Nada melhor do que Gal”. Eram os comentários do colunista sobre o show FA-TAL, de Gal Costa. Realizado no Teatro Siqueira Campos, Rio de Janeiro, e com direção de Waly Salomão, o show foi um grande sucesso no período (1971/72). Logo em seguida, veio o disco Gal a todo vapor, com capa de Luciano Figueiredo e Oscar Ramos. Seu repertório reunia composições de nomes consagrados como Roberto e Erasmo Carlos, Caetano Veloso, Jorge Ben, Ismael Silva e Geraldo Pereira, e novos compositores como Jards Macalé, Luiz Melodia, Moraes e Galvão, Carlos Pinto, Duda Machado e o próprio Waly Salomão. Registrado ao vivo, traz um excelente panorama musical desse período. Entre consagrados e malditos, alguns se tornaram grandes nomes da música brasileira, como Luiz Melodia, e outros caíram no completo esquecimento, como Carlos Pinto.
São nos discos de Gal Costa entre 1969 e 1972 que se encontram os principais focos de inovação e experimentação da música brasileira pós-tropicalista. Após a prisão e o exílio de Caetano Veloso e Gilberto Gil, o tropicalismo perde sua força e atuação como movimento musical organizado. Com a ida involuntária de seus dois principais representantes para Londres, Gal Costa e José Carlos Capinan passam a buscar novos caminhos musicais e parcerias. Em 1970, com Jards Macalé, fundam a empresa Tropicarte. Ainda em 1970, Gal Costa e seus novos parceiros lançam o disco Legal, com capa de Hélio Oiticica.
Em FA-TAL, de 1971, a direção de Waly Salomão inseriu nesse repertório músicas de alguns artistas que começavam a despontar nesse período. Os Novos Baianos, representados pelos seus compositores Moraes Moreira e Galvão, foram uma das principais bandas da época, com discos marcantes e de sucesso comoAcabou Chorare, de 1972. Seu estilo de vida comunitário em um sítio em Jacarepaguá criava a relação entre seu som e os ideais da contracultura que circulavam no País. Outro compositor de grande sucesso que estreava com FA-TAL era Luiz Melodia. Freqüentador do morro de São Carlos, no bairro do Estácio de Sá, Waly Salomão conheceu o compositor e escolheu “Pérola Negra” para o repertório do show de Gal. Logo em seguida, Melodia assinou um contrato com a gravadora Philips e gravou grandes discos – mantendo-se até hoje em atividade.
Waly Salomão e Jards Macalé também são dois nomes fundamentais no panorama musical do período, não apenas por suas participações nos trabalhos de Gal Costa, mas principalmente pelas suas parcerias. Após um disco de 1971 com parcerias com o próprio Waly, além de Capinan, Torquato Neto, Luiz Melodia e Duda Machado, Macalé lança o disco Aprender a nadar. Nesse disco, funda com Waly Salomão a chamada “estética da morbeza romântica”. Dedicado a Hélio Oiticica e Lygia Clark, o trabalho traz composições dos dois ao lado de músicas de Lupicínio Rodrigues, Orestes Barbosa e Rogério Duarte. Além de seus próprios trabalhos de dois discos de Gal Costa, Jards Macalé também tem participação-chave em um dos melhores discos da época, Transa, gravado ao lado de Caetano Veloso em Londres e lançado em 1972.
Outros músicos com obras inovadoras e provocativas que devem ser relacionados a esse período são Sérgio Sampaio, músico capixaba autor de grandes sucessos e belos discos, e Jorge Mautner, escritor, filósofo e autor de discos que, durante a década de 70, reforçavam a pecha de malditos para os músicos brasileiros ligados ao experimentalismo da contracultura e ao universo da marginália.