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Reportagens Históricas

Gil espera tranquilo outra vaia
Jornal da Tarde – 04 de outubro de 1967

Gilberto Gil sabe que poderá levar outra vaia sexta-feira, no Teatro Paramount, quando apresentar sua música Domingo no Parque, acompanhado de guitarras elétricas, consideradas como uma heresia entre os defensores radicais da música popular de raiz.

-Mas estou tranqüilo. Seria muito mais cômodo se eu estivesse concorrendo ao Festival com músicas como Roda ou Louvação, composições minhas já aceitas pelo público. Mas isso seria uma desonestidade para comigo mesmo e para com o povo, porque não representariam a minha maneira de pensar atual. E não faço isto em termos de desafio, acho apenas que todas as experiências são válidas na música, vista de maneira universal.

Gil cantará com o conjunto Os Mutantes. São dois rapazes com guitarra e contrabaixo elétricos e uma moça tocando pratos. No acompanhamento, entrará também o baterista Dirceu, desta vez tocando berimbau. O arranjo da música foi feito por Rogério Duprat.

-Sinto-me hoje como num tribunal, onde sou acusado de trair a verdadeira música popular brasileira. E não tenho muitas respostas para dar, porque eu mesmo não sei se estou agindo certo ou errado, como ninguém no mundo pode ter a certeza de alguma coisa antes de se arriscar a fazê-la. Também não posso me arvorar e dizer que eu sou o certo, os outros é que estão errados.

-Na música pop  de hoje, os Beatles passam a utilizar todos os tipos de música e de instrumentação eruditas que não pertenciam ao que chamavam iê-iê-iê. Estão evoluindo sempre, enquanto no Brasil a própria música chamada jovem se torna conservadora. E na música popular brasileira o conservadorismo é muito pior. Se pensássemos sempre assim, estaríamos tocando nossas músicas com instrumentos indígenas. É preciso pensarmos em termos universais. O mundo hoje é muito pequeno, não há razões para regionalismos. Se amanhã formos a Marte e se lá houver música, a Terra talvez se una e proteste: “Não toquem esta música, ela é estrangeira”.

Gil vê uma grande contradição no fato de, no Brasil, se aceitarem os costumes e a cultura estrangeiros mas haver preconceitos contra qualquer infiltração na nossa música. Lembra que até João Gilberto foi acusado de americanizado quando começou com a bossa-nova.

Acha até ridículo  que se faça uma guerra contra ele, principalmente no Rio, só porque quer usar guitarra elétrica na música brasileira. E estranha quando lhe aconselharam que não fizesse isto no festival.

-O festival, a meu ver, é o melhor lugar para mostrar as novas preocupações de um compositor. Se mudei, se estou pensando de outra maneira agora, porque não devo me mostrar ao público como eu sou?

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