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Visões estrangeiras

Tropicália agora!
Gerald Marzorati
New York Time Magazine, 25 de abril de 1999

Assim como Lévi-Strauss, Byrne fez um ótimo trabalho de campo e os compositores e músicos que mais o encantaram foram os que surgiram no breve período da contracultura brasileira, no final dos anos 60. Eles se consideravam artistas pop de vanguarda e participantes de um movimento que também se manifestou na poesia, no teatro e nas artes plásticas. Não apenas inventaram um novo estilo musical, mas uma nova maneira de abordar a criação musical, combinando o ambicioso AOR, rock pensado para ser apreciado como parte integrante de um álbum, para em seguida abrir o próprio caminho a partir da Inglaterra e dos Estados Unidos com inúmeras músicas de ritmo brasileiro denso e uma variedade de outros ingredientes, entre eles, a complexa poesia modernista e estranhos sons fusionados. Esses músicos escreveram canções desvairadamente caleidoscópicas sobre a ambigüidade que captavam em uma cultura brasileira cada vez mais americanizada e consumista, e também outras mais cuidadosas (às vezes nem tanto) sobre as limitações de viver em uma ditadura militar. Batizaram a nova música de “Tropicália” e criaram canções de três minutos que continham os cortes abruptos e descuidados, as referências meta-artísticas plenas de significados e o puro lirismo pop de um filme de duas horas de Godard.

“O que me atraiu foi a sofisticação – a sofisticação musical e também a sofisticação da noção que tinham de sua situação no mundo”, disse Byrne. “O que era centro, o que era periferia. A sensação de que o Brasil ainda era aquele lugar estigmatizado por nossas imagem de país exótico, primitivo – eles estavam cientes disso e, na música, combinavam todas essas coisas que recebiam de nós com outros elementos e meio que jogavam tudo de volta para lá. Não com raiva, mas com ironia e audácia – e todos aqueles ritmos fabulosos que adicionavam um sabor especial”.

Muitos dos maiores compositores do Brasil, incluindo Caetano Veloso e Gilberto Gil, que se tornaram estrelas da música em seu país, começaram suas carreiras no centro da Tropicália. Mas apesar do grande sucesso, o trabalho desses músicos demorou um pouco para chegar nos Estados Unidos e não apenas porque as canções eram em português. Foi somente quando apareceu por aqui uma estética de apropriação e circulação, combinação e recombinação é que a música da Tropicália pôde – juntamente com a música de artistas brasileiros mais jovens influenciados pelos tropicalistas – finalmente ser ouvida pelo que é: música pop radicalmente inventiva.

Caetano, Gil e outros elaboraram uma nova concepção de rock. Além de gostarem dos Beatles, Bob Dylan e Jimi Hendrix  cujos LPs começavam a chegar em São Paulo – eles também queriam usar a música estrangeira para liberar o pop brasileiro das amarras nacionalistas, ou, de acordo com Caetano, ajudar a criar uma “postura imediata de estar no mundo – nós rejeitamos o papel de país de terceiro mundo vivendo à sombra de países mais desenvolvidos”. Segundo essa abordagem, os tropicalistas usaram intensamente as idéias dos escritores modernistas brasileiros dos anos 20, principalmente o “Manifesto Antropófago” de Oswald de Andrade, um poeta contra o sistema. Oswald incitou os artistas brasileiros a devorarem a arte e as informações estrangeiras juntamente com o cânone e jornais nacionais para, em seguida, regurgitarem novas formas estéticas, uma bricolagem transcontinental que implicitamente expressaria a visão do lugar do Brasil no mundo. Nos termos do pop atual, isso era uma proposta de amostragem e mixagem de modelos globais – e foi bem esse o resultado da música de Gil, Caetano e outros músicos da Tropicália, a partir do momento em que começaram a ligar suas guitarras elétricas e a fazer experimentos com sons diferentes e diversos tipos de canções de inspiração poética.

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