Ilumencarnados seres

Três trópicos da tropicália

capas e cópias

A minha relação com a Tropicália não se limita às capas. As gravadoras já sabiam o investimento que cada artista merecia. Então, definiam logo o capista. Saía barato e era conveniente para a gravadora. Quando a gente entra, vem como um grupo: ‘Nós já temos a nossa equipe. Temos o cara que vai fazer a capa, o cara que vai também escrever o texto etc. Quer dizer, nós temos o coração e a cabeça’. A integração era nesse nível. A primeira capa que eu fiz foi a capa do disco de Caetano Veloso que tem “Alegria, alegria”. Era uma espécie de ready made porque aquela ilustração era um padrão, como certos tipos de gravuras medievais com um dragão que vem de um quadro de Rafael. Depois se torna gravura popular, daí vira um clichê e muitos artistas trabalham com aquele desenho, aquele tema, como acontece também em poesia. Na ocasião eu utilizava um trabalho já existente, fazia uma metalinguagem em cima disso, usando inclusive fotografia. Era uma violência com aquela obra de arte, mas foi muito elogiada porque era mais colorida e tinha uma produção um pouco mais desenvolvida do que o que habitualmente se fazia para os artistas. Um cara de São Paulo que tinha elogiado a capa só bem depois, olhando com atenção, descobriu de onde eu chupei o negócio. E aí escreveu uma página inteira me esculhambando como plagiário. Caetano ficou meio chateado, naquela ingenuidade dele dizia: ‘Rogério, você tem que responder a esses ataques, porque o cara está te acusando de plágio’. Tempos depois, quando descobrimos os irmãos Campos e a grande contribuição da cultura de vanguarda do concretismo, o meu trabalho revelou-se ser uma face industrial das artes plásticas, o mesmo tipo de trabalho que Andy Warhol e tantas pessoas validaram e consolidaram.

Todos os profissionais que trabalham em programação visual têm que ter várias fontes. Eu tinha visto um trabalho que era uma típica ilustração popular. Só que a linguagem gráfica que eu utilizava era completamente diferente. Se, por exemplo, o trabalho que eu ‘chupara’ fosse de guache com suaves nuances de cores, eu usaria então cores chapadas, num processo gráfico e realidade plástica diversos. Mas, numa visão grosseira, poderia ser entendida como plágio. A minha proposição como trabalhador da imagem não é acadêmica. Inclusive, todo o meu embasamento naquele momento era de artista mesmo, que chegava falando uma nova linguagem. Inicialmente não se entende muito bem a linguagem nova porque o entendimento é baseado em categorias preestabelecidas, então nada é adequado à nova linguagem e as comparações são feitas com coisas de naturezas diferentes.

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