Ilumencarnados seres

Três trópicos da tropicália

um dever para os mortos

Eu, que estava no meu quieto, sinto-me no dever de tomar a palavra para que Torquato, Glauber Rocha e Hélio Oiticica não tenham perdido, além da vida, a sua própria razão de terem existido. É uma questão até de justiça histórica. Nós que pagamos – eu com prisões e torturas; Caetano e Gil com exílio; além de Glauber, Hélio e Torquato, com a morte – merecíamos uma leitura mais profunda de nossos papéis.

Torquato poderia estar vivo aqui entre nós. Todos nós somos suicidas em potencial. Eu escrevi um texto em que procuro dizer isto: ‘Eu poderia ter me matado’. Embora ele tivesse uma tendência para a depressão, eu não vou negar, e suas letras falem de morte ou de fim, isto não quer dizer nada. Eu e muitos outros já escrevemos letras mais negras do que as dele e estamos aí, vivões. Não é por aí. Esta é uma pista óbvia demais. Pode ser falsa. Fundamentalmente, o que faltou a Torquato no momento mais crítico, num momento de grande dificuldade no país, foram exatamente as referências e os apoios mais sólidos. Ele se sentia sozinho. Ele não era Nosferatu. Ele era um grande poeta lírico, uma pessoa de grande delicadeza. Minha autoridade para falar sobre isso é conferida historicamente porque quando Torquato, Glauber e Hélio Oiticica se referiam a mim era sempre falando de amizade. Era sempre uma coisa amorosa. Essa autoridade é uma questão de dever, uma coisa meio trágica. É um dever meio hamletiano para com os mortos.

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