Ilumencarnados seres

Três trópicos da tropicália

o novo cinema de glauber rocha

Glauber Rocha, o jovem diretor baiano, tinha se tornado, a essa altura, um verdadeiro líder cultural. Depois de rodar Barravento quando ainda morava na Bahia, ele impressionou diretores e críticos europeus com Deus e o Diabo na Terra do Sol, filme cheio de uma selvagem beleza que nos excitou a todos com a possibilidade de um grande cinema nacional. Não se tratava de uma conquista de padrão de qualidade: essa tinha sido a meta da Vera Cruz, produtora criada pelo empresário paulista Franco Zampari, que construiu um estúdio bem estruturado onde se produziam, até metade dos anos 50, filmes de bom acabamento. Para dirigir o empreendimento, Zampari convidou Alberto Cavalcanti, o cineasta brasileiro que atuara com sucesso na Inglaterra e na França e voltava ao Brasil atendendo a esse convite da elite brasileira para instituir uma indústria cinematográfica de alto nível entre nós. Era uma tentativa de superar o estágio primitivo do cinema comercial brasileiro, representado pelas comédias carnavalescas cariocas conhecida como “chanchadas”, uma fórmula inaugurada com sucesso nos anos 30. O movimento do Cinema Novo, na primeira metade dos anos 60, opôs‑se tanto ao academicismo das produções respeitáveis da Vera Cruz quanto ao primarismo das chanchadas. A vitória de prestígio do movimento sobre essas duas tendências não foi atingida sem dificuldade, e não se pode dizer que a desatenção ‑ quase hostilidade ‑a produções como O cangaceiro (Vera Cruz) ou O homem do Sputnik (chanchada) não pareçam hoje francamente injustas.

Glauber liderou prática e teoricamente o movimento do Cinema Novo. Seu livro Revisão crítica do cinema brasileiro argumenta em favor da criação de um cinema superior nascido da miséria brasileira como o neo‑realismo nascera da indigência das cidades italianas no imediato pós‑guerra. Ali ele conclamava os jovens intelectuais de esquerda que se sentissem atraídos pelo cinema a inspirarem‑se no Nelson Pereira dos Santos de Rio, 40 graus, e naturalmente isso significava desprezar tanto os sensatos que apenas tentavam encenar diante da câmera histórias razoavelmente roteirizadas, quanto os malandros que produziam diversão para um público semi‑analfabeto.

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