Ilumencarnados seres
Três trópicos da tropicália
stones, beatles e dylan
Bob Dylan não era um fenômeno comercial como os Beatles, mas, de certa forma, era mais conhecido do que os Rollings Stones no Brasil quando essas novidades nos foram apresentadas. Os Stones podiam Ter tido “Satisfaction” nas paradas, mas Dylan já tinha admiradores seletos havia muito mais tempo. Lembro mesmo de ouvir um lado inteiro de um LP seu com Toquinho, em sua casa, na época que saímos, ele, Chico e eu, por São Paulo, entes de eu me mudar para lá. Toquinho queria minha opinião, pois lhe parecia demasiadamente enfadonho um disco – segundo lembro de ouvi-lo frisar – com todas as músicas cantadas e tocadas no mesmo tom. Achei curiosa a voz fanha e o jeito sujo de tocar violão e gaita. Não entendia nada das letras e terminei por me aborrecer também. Agora, o tropicalismo estabelecido, eu ouvia e reouvia maravilhado Bringing it all back home, que Peticov me recomendara. Até hoje, esse é o disco de Dylan que mais me emociona. Eu continuava a não entender quase nada das letras, mas a atmosfera, a emissão vocal, o bem captado desleixo, o timbre geral de seu trabalho me enriqueciam com sugestões inqualificáveis. O que mais me ficava era a impressão de riqueza de textura, de sofisticação alcançada sem o esforço de elaboração dos Beatles. (…) Mas não se pode dizer que eu preferisse Dylan aos Beatles. Eu sabia de sua respeitabilidade e seu som sugeria uma mente mais culta do que a dos melhores roqueiros ingleses, mas, comparados à verbosidade de suas canções caudalosas e à retórica que se adivinhava do que era inteligível nas letras (meu inglês era meramente ginasial), os Beatles pareciam muito mais construtivos e enxutos. Por outro lado, o experimentalismo ostensivo de Sargent Peper´s Lonely Hearts Club Band estava mais próximo não só do que fazíamos como dos grandes artistas que eu admirava, fossem eles Godard, Oswald, Augusto de Campos, João Cabral, Joyce, Lewis Carroll ou e. e. cummings. Embora os Beatles fossem obviamente mais ingênuos, Dylan parecia atrelado a uma concepção romântica do poeta, sem as incursões (explícitas) pela metalinguagem, pelo atonalismo e pelo concretismo que os Beatles apresentavam. Além disso, nunca me senti atraído pelo ambiente country americano, do qual ele tanto se aproximou. Até hoje, no entanto, a densidade de Dylan me interessa e sua personalidade artística me apaixona. (…) Ele é uma figura a um tempo central e à parte no panorama dos anos 60 ‑ e um traço forte do século. Um dos mais impressionantes exemplos da pujança criativa da cultura popular americana, da cultura americana tout court. No momento em que os ingleses dominavam o jogo com sua versão do rock’n’roll do lado de lá do Atlântico, do lado de cá Dylan já apresentava o espessamento desse caldo em que Beatles e Rolling Stones beberam, mostrando onde está a nascente e de onde jorra a energia. E a gente sabe que Hendrix deve a ele tudo o que não deve aos grupos ingleses (embora deva “tudo” ao público inglês).
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