Ana de Oliveira: Arnaldo, como foi pra você conhecer Caetano e Gil? O que lhe atraiu neles?
Arnaldo Baptista: Caetano não me influenciou tanto quanto Gil. Caetano era mais Beat Boys. Com Gil
a gente ensaiava mais. A gente conseguiu fazer com que o contrabaixo fosse mais valorizado na música. Então a nossa música passou a parecer mais elétrica. Na verdade, sempre houve guitarra na música.
Mas o que mudou tudo foi o contrabaixo que os Beatles e os Rolling Stones criaram, aquelas caixas pesadíssimas… A gente não colocou a guitarra na música, e sim o contrabaixo.
Ana: Como você, que tocava rock, se sentiu tocando “Domingo no Parque”, uma cantiga de capoeira?
Arnaldo: Pode parecer estranho, mas conhecíamos música brasileira, mais samba, uma coisa distante,
e não compúnhamos muito. Quando encontramos Gil, fazendo aquelas posições no violão, aí sim demos continuidade à nossa criação através de baianos, astecas, incas, maias… Tínhamos mais a ver com
o Nordeste. O paulista era muito europeu. Caetano e Gil nos mostraram um lado mais abrangente,
a América do Sul. Assim, aos poucos, a gente pôde começar a compor. Também era estranho tocar
com a orquestra de Rogério Duprat.
Ana: E como era o ambiente de estúdio das gravações? A impressão que se tem é que vocês se divertiam muito.
Arnaldo: Quando entramos num palco, parece que viramos outra pessoa. No estúdio também. De repente ficávamos possuídos por uma espécie de dom carismático, e começávamos a improvisar, e a levar adiante as máquinas. Muito gostoso.
Ana: Você era um adolescente.
Arnaldo: Ficava embasbacado diante dele. Gil era muito mais sangue, uma coisa bem ventre, era uma delícia tocar com Gil. Já Caetano era mais mental, tinha um lado profundo, político, filosófico…
Ana: Você gostava da Jovem Guarda?
Arnaldo: Gostava. Mas a gente ficava meio de fora, não é? Éramos paralelos à Tropicália. Mas a gente nunca fez parte integral nem da Tropicália nem da Jovem Guarda.
Ana: Vocês transitavam pelas duas vertentes.
Arnaldo: Tal qual o nome Mutantes, a gente ficava: Jovem Guarda, Gil, bonita guitarra. Depois, Caetano
e berimbau e lindas roupas e canções.
Ana: Em sua opinião, existem fatos ou personagens na história da Tropicália menos valorizados do que deveriam ser?
Arnaldo: Interessante essa pergunta. Não consigo pensar assim de improviso. Às vezes há personalidades que marcam demais e não têm tanta importância.
Ana: Você lembra de Rogério Duarte?
Arnaldo: É um nome que me pega bastante no coração. Sei que foi importante, mas não sei até que ponto.
Ana: Qual é a diferença básica entre os Mutantes tropicalistas e os Mutantes depois da Tropicália?
Arnaldo: Rita Lee é filha de americanos, a gente falava bastante inglês nas músicas. Mas com a Tropicália os Mutantes ficaram bem mais brasileiros. Porque antes a gente ouvia rádio e tal, mas não tinha onde
se apoiar para compor. É um lado meio mata virgem, que a gente foi lá e viu. Então passamos a entender melhor o que levava adiante.
Ana: Como você interpreta o interesse dos americanos pelos Mutantes, de uns anos pra cá?
Arnaldo: Na época, a gente talvez representasse um lado bem americano da música brasileira. Com Gil, misturamos tudo. Os americanos aprenderam isso conosco, entraram junto. A gente talvez sirva de intérprete entre a cultura americana e a Tropicália bem baiana.
Ana: Naquela época vocês já se sentiam na vanguarda do rock?
Arnaldo: Agora que você me fala nesse sentido, acho que o disco tropicalista foi o mais importante. Ele foi uma pedra da Tropicália. Antes era prematuro, e depois… Ali encontramos um agrupamento mais geral. Gosto de Duprat.
Ana: A década de 60 foi um período de confronto de forças, tanto políticas quanto estéticas. Você conquistou inimigos por ter participado da Tropicália?
Arnaldo: Pensando bem, não. Papai era político. Mas eu nunca entrei profundamente nem na política
nem na música. Não me lembro de nada.
Ana: No FIC, durante a apresentação de “É proibido proibir”, a platéia vaiava e jogava coisas em vocês. Como foi isso pra você?
Arnaldo: Caetano falava: “É essa a juventude que quer dominar o país?” Isso emocionou. Naquela época, me sentia muito inferior a Caetano, em função da cultura dele. Era difícil, porque eu tinha uma lacuna
de não entender o que Caetano pensava politicamente falando. Caetano tinha uma lacuna no instrumental, contrabaixo, bateria, rock’n’roll. Então a gente se completou. Eu me sentia atirado numa aventura, eu, palco, Caetano e público.
Ana: Você sentia medo?
Arnaldo: Não. A gente entra no palco e muda. Me deixei levar, e cada vez acontecia uma coisa diferente. Eu gostava.
Ana: Você ouve muita música hoje em dia?
Arnaldo: Bastante. Na época da Tropicália, raramente ouvia Bossa Nova, Zimbo Trio, essas coisas. Ficava meio paralelo. Hoje em dia também, não escuto muito rádio. Gosto muito de Diana Ross. Estudo bastante bateria, escalonamento de sons. Mas mudo muito. Ano passado era mais piano. Cada ano um instrumento.
Ana: Qual seria a sua definição da Tropicália?
Arnaldo: Não sei, algo mais ou menos assim: um lado onde o Brasil foi visto pelos brasileiros com os espelhos dos gringos. A gente viu o que eles viam da gente. Então, se eles viam a gente como papagaio, como rock’n’roll, a gente usou os americanos como espelho. Passamos, de certa forma, a encarar o Brasil como turismo.
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