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Gal Costa

Ana de Oliveira: Como você assumiu o papel de “grande cantora e musa inspiradora” do grupo tropicalista?
Gal Costa: Eu posso dizer que fui musa inspiradora de Caetano porque ele é o compositor que compôs
pra mim como nenhum outro. Ele fala como se estivesse falando pra mim. Conheci Caetano e Gil
em Salvador e me juntei a eles, a Maria Bethânia, Piti, Tom Zé, e fizemos a inauguração do Teatro Vila Velha. Em São Paulo, morei com Guilherme Araújo, no mesmo prédio que Caetano.

Ana: Foram pensadas na sua cabeça a transformação e a assimilação do modo de cantar de Janis Joplin?
Gal: Eu estava muito apaixonada pelo que ela fazia. Queria me integrar naquela linguagem. Estreei num festival da TV Record com a música “Divino Maravilhoso”, de Caetano e Gil. Gil, que fez o arranjo, me perguntou como eu queria cantar. Respondi: “Extrovertida, como jamais cantei”. Então fui pro palco com aquele cabelo black power e aquelas roupas irreverentes… Metade da platéia vaiava, metade aplaudia.
Era uma coisa inteiramente nova pra mim.

Ana: Como foi tornar-se de repente a representante do grupo tropicalista no Brasil, quando Caetano e Gil foram exilados?
Gal: Fiquei representando os dois. As pessoas me ligavam especialmente a Caetano. Ia sempre a Londres, e cantava aqui as canções que eles compunham lá. A ditadura não castrou o Tropicalismo, muito porque
eu fiquei aqui. E houve as Dunas da Gal no Rio de Janeiro, reduto dos intelectuais, dos loucos daquela linguagem nova.

Ana: Como era o comportamento dessas pessoas?
Gal: Tranqüilo. As pessoas curtiam o pôr-do-sol na praia, se bronzeavam, conversavam, queimavam fumo… Muitos turistas iam ver o que era aquilo.

Ana: Você tem consciência de ter colaborado pra detonar uma mudança no comportamento, sobretudo
na área sexual, no início dos anos 70?
Gal: Na época, não tinha uma consciência política tão exata assim. O que eu fazia era por amor aos meus amigos, Caetano e Gil. Quando eu cantava, era como uma leoa, como se empunhasse uma arma
e dissesse: “Vocês maltrataram esses caras.” Acho que o fato de eu ter ficado aqui talvez tenha salvado
o Tropicalismo.

Ana: Você considera a sua interpretação de “Divino Maravilhoso” como a sua grande guinada estilística
na época?
Gal: Sim, porque até então eu era muito influenciada só por João Gilberto. Foi ele que me deu uma visão moderna da música. É o meu mestre. No começo, quando fiz o disco Domingo com Caetano, eu era
o “João Gilberto de saias”.

Ana: Por que você, até então joãogilbertiana, deu essa guinada?
Gal: Por causa do Tropicalismo. Éramos uma família. Bethânia era mais afastada, mas eu, Caetano e Gil vivíamos vinte e quatro horas juntos. Era mais do que natural que eu tivesse essa reação, mesmo sendo filha da Bossa Nova. Quando surgiu o Tropicalismo, os bossanovistas não entenderam. Mas sempre fui aberta a novas linguagens. E continuo sendo.

Ana: Você se lembra de fatos agressivos do período tropicalista?
Gal: Há um episódio incrível que nunca esqueci. Fontoura estava rodando um documentário comigo,
e fomos gravar no centro do Rio. Enquanto ele preparava tudo pra filmagem, fiquei na kombi esperando. Era um dia de trabalho, e de repente pessoas comuns, que passavam ali, cercaram a kombi e começaram a me chamar de piolhenta, com uma agressividade impressionante. Como se eu fosse um bicho. Tivemos que parar. Fiquei profundamente chocada, mas segurei minha barra. Sabia que estava fazendo uma coisa que era isso mesmo.

Ana: E quanto às reações agressivas dos seus colegas contrários ao movimento tropicalista?
Gal: Isso acontecia por parte de pessoas ligadas à Bossa Nova. Eu tinha muita convicção do que fazia. Sabia que não era nenhuma violação à música brasileira. Era um momento que o mundo vivia. Buscar novos conceitos, pelo sexo ou pelas drogas…

Ana: O que você me diz das gerações de artistas que vieram depois da Tropicália?
Gal: Temos muitos herdeiros, mas a minha geração é imbatível. Eu, Caetano, Gil, Bethânia, Elis Regina, Chico Buarque, Milton Nascimento, Nara Leão, Tom Jobim…

Ana: Estou falando dos artistas que surgiram depois do movimento e a relação destes com a estética tropicalista.
Gal: Todos são filhos dessa geração. Sempre vou a shows de cantoras, como Daniela Mercury, Marisa Monte ou mesmo Elba Ramalho, e às vezes me vejo ali. O jeito de agradecer, o cabelo… Fomos e somos escola, graças a Deus.

Ana: Como foi para você a escolha de seu nome artístico? Quando você se assegurou de que Gal era mesmo um ótimo nome?
Gal: Foi idéia de Guilherme Araújo, meu empresário durante vinte e dois anos. Já me chamavam de Gal, mas eu escrevia com “u”. Ele dizia que Maria da Graça, meu nome de batismo, era nome de cantora de fado. E tinha razão. Ele também escolheu “Costa” e botou o “l”.

Ana: Quando você sentiu que Caetano, Gil, Gal e Bethânia formavam um quarteto de artistas realmente identificados num conjunto de aspectos importantes? No início das suas carreiras, você sentiu que os quatro eram especialmente vocacionados para o estrelato?
Gal: Desde pequena, quando vivia na Bahia, eu queria ser cantora. Segui a intuição. Saí da Bahia com dinheiro emprestado de um primo, fui pro Rio, passei dificuldade. Mas era uma missão, que é como encaro o meu trabalho. Faço bem às pessoas por meio da música. Nós quatro temos uma irmandade espiritual. Sentia que conhecia Caetano e Gil há oitocentos e noventa anos. Bethânia também. Éramos velhas almas conhecidas.

Ana: Quando criança, eu identificava os quatro como uma entidade só, por causa dos Doces Bárbaros…
Gal: Nessa época, as pessoas me chamavam de Bethânia e Bethânia de Gal, Caetano de Gil
e Gil de Caetano. É essa aura que paira entre nós. Somos os quatro cavaleiros do após-calipso.

Ana: E a sua religiosidade?
Gal: Sou filha de Omolu e Iansã. Sou do candomblé de Dona Menininha do Gantois desde 73. Foi aí que gravei com Bethânia a “Oração de Mãe Menininha”, de Caymmi. Sou também católica. As duas coisas
não se chocam. A integração com o candomblé me deu muita estrutura.

Ana: O que representa hoje pra você ter sido tropicalista?
Gal: Uma experiência espiritual fantástica. Aprendi a lidar com a polêmica, com o outro, a estar exposta
e a receber críticas. Também fiz análise durante dez anos. Tudo isso me deu raiz.

 
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