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Guilherme Araújo

Ana de Oliveira: Depois de ter passado um período na Europa, estudando televisão e os modos de comportamento e de produção de cultura, como você via a música brasileira?
Guilherme Araújo: Antes da Europa, eu fazia televisão como assistente e depois produtor de programas da TV Tupi. E também trabalhei na gravadora Elenco. A certa altura resolvi trabalhar por conta própria,
e fui procurar Maria Bethânia. Acompanhei o crescimento da Bossa Nova…

Ana: Parece que você sentia que a música brasileira não soava interessante paro os jovens, mais interessados na onda pop mundial do que na MPB engajada. Como produtor antenado, o que você fez pra conquistar o público jovem?
Guilherme: O que faltava era utilizar a tecnologia que estava surgindo. Era preciso utilizar guitarras elétricas.

Ana: Você foi alvo de duras críticas e ganhou inúmeros desafetos por ter estimulado a mudança no visual dos baianos, não é? Qual foi o seu objetivo ao fazer isso?
Guilherme: Sim. Era um desafio criativo pra mim e pra eles. E divertido também. Devíamos fazer o que queríamos fazer. Os empresários brasileiros não se interessavam em criar junto com os seus contratados. Preocupavam-se só com agendas e vendas. E eu, como homem do show business, agia não só como empresário, mas também como diretor. E sempre fui antenado no que acontecia no mundo.

Ana: Em que medida você acha que a mudança na imagem contribuiu para o aumento da popularidade
de Caetano e Gil?
Guilherme: Eles passaram a representar pra geração de brasileiros mais jovens o exemplo do que acontecia no mundo.

Ana: Você queria transformar Gal, então Maria da Graça para o público baiano, numa espécie de cantora pop comercial, a exemplo de Wanderléa…
Guilherme: Não gostava do nome de batismo de Gal porque o achava insignificante diante da sua voz
e do seu talento. Quando você não tem um nome bom, tem que trocá-lo imediatamente. E ela já tinha esse apelido. Não sabia como escrevê-lo. E, dos muitos sobrenomes que ela tem, escolhi o Costa. Mas há pessoas que trocam de nome totalmente, como Fernanda Montenegro. Se os pais não foram felizes
na escolha do nome, cabe a nós corrigi-lo, não é?

Ana: Quais os traços da personalidade artística de Gal o impressionaram, fazendo-o vislumbrar a possibilidade de torná-la uma rainha pop brasileira?
Guilherme: João Gilberto dizia sempre que Gal era a maior cantora do país. O que faltava a Gal era repertório e coragem cênica, o que ela adquiriu logo.  

Ana: No seu afã de promover os artistas, você não tinha medo de exagerar na dose, torná-los popularescos demais em razão da superexposição nos meios de divulgação de massa?
Guilherme: Não. Gal, por exemplo, é uma intérprete excepcional que sempre precisou de direção, fosse minha ou de Caetano. Caetano e Gil sabiam o que estavam fazendo, embora não se autoproduzissem na época. Eu fazia praticamente tudo. Hoje Caetano é excelente produtor e diretor do que faz. Mas na época, embora soubesse de tudo, não fazia nada. Foi um trabalho bem consciente. Eu não via riscos.

Ana: Em que momento você se deu conta do enorme carisma de Caetano? Porque até então ele parecia não ter talento para o palco, embora já fosse um compositor extraordinário.
Guilherme: Assim que ele começou a aparecer nos festivais da Record e a viajar comigo pelo Brasil e pelo mundo. Ele fazia muitas coisas interessantes nos seus primeiros espetáculos. O batom, os brincos, toda uma teatralidade… E muita irreverência.

Ana: O que você tinha em mente quando sugeriu que Caetano fizesse uma canção com a frase “É Proibido Proibir”?
Guilherme: – A grande revolução dos anos 60 fez do mundo uma coisa só. Nessa época eu estava em Paris e vi essa frase pichada num muro. O seu autor era um bandido alemão que vivia na França, cujo nome não me lembro. Como vivíamos uma ditadura, achei que a frase era oportuna também no Brasil.

Ana: Ao sugerir que essa canção fosse inscrita no Festival Internacional da Canção (FIC), você fazia idéia de que despertaria tamanha indignação da platéia?
Guilherme: A música e o teatro têm isso: dependendo do que aconteça, você transforma aquilo. A platéia foi tão agressiva que Caetano respondeu fazendo aquele discurso. Eu achava que a canção seria, como
de costume, vaiada e aplaudida. Mas acabou virando um happening…

Ana: Qual foi para você o episódio mais contundente do período tropicalista?
Guilherme: A prisão de Caetano e Gil. Quando Caetano se casou com Dedé, alugamos o apartamento
em cima do meu, na Avenida São Luís, em São Paulo. Dedé me chamou às seis da manhã dizendo que
lá estavam dois homens da Polícia Federal. Subi e assisti à prisão. Levaram Caetano dizendo que, depois
de uma entrevista, dentro de duas horas ele seria devolvido. Mentira. E em seguida o desaparecimento
por dez dias, o confinamento, o exílio…

Ana: Depois da prisão, você escreveu um manifesto contra a opressão da ditadura militar e o distribuiu pessoalmente numa feira em Cannes, o Midem, da qual participariam Caetano e Gil. Qual foi a repercussão desse manifesto?
Guilherme: É. Eu e Violeta Arraes, nossa grande amiga, divulgamos o manifesto no Midem e em Paris. Isso virou notícia. Hoje Pinochet está sendo julgado como os nazistas. É uma pena que os nossos militares, já mortos, não tenham passado pelo mesmo julgamento internacional.

Ana: Você chegou a ser procurado por Geraldo Vandré, cantor de protesto por excelência, pedindo-lhe
que dissuadisse Caetano e Gil do projeto tropicalista?
Guilherme: Sim. Conhecíamo-nos todos da TV Record. Ele queria que eu fosse empresário dele e não
dos baianos, e achava que o trabalho dele era o mais importante da MPB naquele momento. Sempre achou isso. Mas eu estava ligado aos baianos não só profissionalmente mas também por afeto.
 
Ana: Naquela época, Gil foi a Pernambuco e voltou impressionado com o que viu. Você estava com
ele então?
Guilherme: Fui eu que o levei a Pernambuco. Eles não eram convidados pra nada porque ainda não eram famosos. Foi um investimento meu. Procurei pessoas ligadas à cultura de Recife, e passamos lá uma pequena temporada. No avião da volta, eu disse a Gil que estava na hora de utilizar os instrumentos que
os jovens estavam ouvindo. Então os arranjos de “Alegria, alegria” e “Domingo no parque” foram trocados por essa coisa nova.

Ana: Quer dizer que esses não eram os arranjos originais das duas canções?
Guilherme: Não. Seriam arranjos tradicionais. Procurando um conjunto de acompanhamento, achei
os Beat Boys, que trabalhavam em São Paulo com Donato Figueiredo. Por meio de Rogério Duprat,
Gil chegou aos Mutantes.

Ana: Fale um pouco sobre o programa Divino Maravilhoso, da TV Tupi.
Guilherme: Esse programa foi praticamente o que levou Caetano e Gil à prisão. Caetano tem uma memória muito melhor que a minha, mas me lembro de que se tratava de um especial de Natal,
e ele cantou “Boas Festas” apontando uma arma pra própria cabeça.

Ana: Hoje, qual a sua reflexão sobre aquele momento na história da música e da cultura popular brasileira?
Guilherme: Naquela época, a música era importante o ano inteiro, com vários movimentos sucessivos, Bossa Nova, Jovem Guarda, Tropicalismo… Hoje ela é agradável, mas não está ligada a outras coisas como antes. Isso no mundo todo. Caetano e Gil estavam prontos para estar à frente de tudo aquilo.

 
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